Páginas

terça-feira, 29 de junho de 2010

Cobrança administrativa de crédito tributário - direito comparado

Conjur
29 de junho de 2010
Execução na Venezuela
Fiscal venezuelano é depositário de bens penhorados
Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy 
Consultor da União, professor do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília e professor assistente no Instituto Rio Branco.
A execução fiscal na República Bolivariana da Venezuela é disposta em Codigo Tributário Orgânico, promulgado em 1994, e publicado em 24 de maio daquele ano. Trata-se de texto que disciplina todo o modelo tributário venezuelano, em suas linhas gerais. Na Venezuela, apenas a lei pode criar ou suprimir tributos, definir o fato gerador, fixar alíquotas, base de cálculo, sujeição passiva, isenções, favores fiscais, entre outros.
O comando referente à legalidade estrita do Codigo Tributário Orgânico desdobra-se de previsão constitucional. Exige-se lei para criação e remissão de tributos. Proíbe-se a cobrança de exações por meio da imposição de serviços pessoais. Veda-se o confisco por intermédio da tributação. Há previsão de penas para comportamentos fiscais evasivos, fixadas em dobro se o agente for funcionário público. Leis fiscais devem estabelecer explicitamente o início da vigência, fixando-se a vacatio legis em 60 dias na hipótese de omissão do legislador fiscal. Indica-se que a administração fiscal detém autonomia técnica, funcional e financeira.
Tem-se como pano de fundo regra constitucional que determina que a gestão fiscal é regida e executada com base em princípios de eficiência, solvência, transparência, responsabilidade e equilíbrio fiscal, com equilíbrio decorrente de marco de lei orçamentária plurianual. Busca-se alcançar o contribuinte com fundamento em capacidade de expressão tributária, progressiva, na mira da proteção da economia nacional e da elevação do nível de vida da população, bem como na concepção de um sistema eficiente de arrecadação.
Na Venezuela, há modelo de contencioso administrativo, outorgando-se competência para anulação de atos administrativos gerais ou individuais, contrários ao direito, e marcados por desvio de poder; pode-se também condenar ressarcimento ao erário, reparação de danos, entre outras circunstâncias que marquem situações jurídicas subjetivas lesionadas pela atividade administrativa; a questão radica na Constituição. No entanto, em matéria tributária, e em âmbito de execução fiscal, tem-se demanda judicial, que se desdobra junto ao Judiciário, em modelo que guarda semelhanças com o brasileiro, como será identificado.
O modelo tributário venezuelano, em suas linhas conceituais, também lembra o brasileiro, com exceção do instituto da transação tributária, previsto no Direito daquele país. A propósito da transação, especifica-se que esta pode ser judicial, autorizando-se, no entanto, que seja aplicada quanto à determinação dos fatos e não quanto ao significado da regra jurídica aplicável.
Faculta-se ao Ministério da Fazenda a autorização para transação administrativa. Exige-se pronunciamento prévio e favorável de um Conselho de Ministros, ouvindo-se também a Controladoria Geral da República. O silêncio da administração, após três meses, no que toca à opinião da Controladoria Geral, defere automaticamente a transação. Dispensa-se a oitiva do Conselho de Ministros quando a transação for considerada de pequena monta, que o texto legal fixa em valor inferior a 1.000 unidades tributárias, podendo o referido Conselho de Ministros alterar o parâmetro de tais valores. O limite pode ser ampliado para 5.000 unidades tributárias. Firma-se um contrato de transação. Em nome do Estado, este contrato é assinado pelo procurador-geral da República.
A sujeição tributária passiva, a exemplo do que ocorre no Brasil, é fracionada entre contribuintes e responsáveis. A solidariedade decorre de vínculo com um mesmo fato gerador; de outro modo, deve ser expressamente prevista em lei. A responsabilidade tributária, de igual forma, decorre de disposição legal.
Da mesma forma que no modelo brasileiro, há responsabilidade tributária solidária de pais, tutores e curadores, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas, dirigentes, administradores que tenham disponibilidade em relação a bens de entes coletivos que não tenham responsabilidade jurídica, mandatários — em relação a bens que administrem ou disponham —, bem como síndicos e liquidantes. Exige-se, no entanto, demonstração de dolo ou culpa grave, fixando-se limites no valor de bens administrados ou em relação aos quais se tenha disponibilidade.
O texto define fato gerador, no sentido de que este seja um pressuposto estabelecido por lei para tipificar o tributo e cuja realização dá início ao nascimento da obrigação tributária. Há previsão de seis modalidades de extinção da obrigação: pagamento, compensação, confusão, remissão, declaração de imprestabilidade de cobrança e prescrição, não se excluindo, no entanto, a possibilidade de que leis especiais identifiquem outros meios de extinção das obrigações tributárias.
A extinção da obrigação tributária por confusão, inexistente no modelo fiscal brasileiro, por exemplo, segue a linha que marca o instituto no Direito Privado. No caso, o sujeito ativo ocupa a condição de devedor, o que decorre do fato de que se teve transmissão de bens e de direitos que são objeto do tributo. Exige-se decisão que reconheça a situação, tomada mediante resolução da administração. Dispõe-se, literalmente, que tal resolução decorre de circunstâncias que a aconselharam.
No que se refere à prescrição, como regra, o prazo aplicado é de quatro anos, para a obrigação tributária principal e acessórios respectivos que são devidos. Amplia-se o prazo para seis anos na hipótese do contribuinte ou responsável não adimplir obrigação de se inscrever junto às autoridades fiscais, de não apresentar declaração relativa a fato gerador ocorrido ou de encaminhar declarações a que estejam obrigados por determinação da administração, ou quando a esta última não se facultou o conhecimento do fato. O prazo prescricional relativo à repetição do indébito também é de quatro anos.
O título V do Codigo Orgânico Tributário trata da administração fiscal na Venezuela. Dispõe-se que a administração tributária tem como funções a arrecadação de tributos, multas e acessórios, a aplicação das leis fiscais, bem como o desempenho de tarefas de fiscalização e de controle relativos ao cumprimento das obrigações tributárias, mediante políticas que induzam ao recolhimento espontâneo das várias exações. À administração compete exigir o cumprimento das obrigações fiscais mediante o implemento de medidas cautelares, coativas e, especialmente, de ações executivas.
Cuida-se agora da execução fiscal. A administração tributária inscreve, registra e mantém controle dos contribuintes e responsáveis. Desenvolve sistemas de informação e de análises estatísticas, em âmbito tributário. Exerce função normativa e de divulgação, em matéria fiscal, em espaço que qualifica natureza técnica, jurídica e administrativa.
O código venezuelano aqui estudado confere à administração tributária amplas faculdades para fiscalizar e investigar. A norma faculta tal prerrogativa também no que se refere a isenções e dispensas. Garantindo privilégios à administração fiscal, o código venezuelano autoriza que se exija de contribuintes e responsáveis a exibição de livros, documentos e correspondência comercial. Intimado, deve o contribuinte ou responsável comparecer na administração, para esclarecimentos necessários.
A administração também pode fazer intervenções junto à documentação sob investigação, bem como está autorizada a tomar medidas de segurança com o objetivo de conservar a referida documentação. Para tal, no entanto, deve-se lavrar ata circunstanciada. A documentação pode ser aprendida pela administração fiscal, quando a gravidade do caso assim o requeira, na linguagem da norma aqui estudada.
Faz-se ata, e a documentação pode ficar sob o poder da administração pelo prazo de 15 dias, prevendo-se prorrogação, quando indispensável, dilatando-se o prazo para três meses. O fisco também pode solicitar informações de terceiros, que tenham relacionamento com os fatos, bem como ainda pode determinar que terceiros encaminhem documentação relativa aos fatos sob investigação.
Há limites à atuação dos agentes do fisco, nos termos do Codigo venezuelano. Este está obstaculizado de exigir informações de quem por dever legal de profissão não possa encaminhar as informações requisitadas. A vedação atinge também a ministros religiosos, no que toca a assuntos referentes à atividade religiosa, cujo segredo deva ser mantido, como consequência da natureza estritamente teológica que o envolve.
O fisco deve respeitar o sigilo que envolve a comunicação epistolar, bem como das informações, em geral. Protegem-se cônjuges e parentes até o quarto grau, quando consanguíneos, ou até o segundo grau quando afins, desde que tenham relação com os fatos pesquisados e que possam motivar a aplicação de penas privativas de liberdade.
Agentes fiscais podem requerer auxílio de força pública quando se oponha resistência às diligências que devam ser tomadas. Pode-se tomar posse de bens em relação aos quais exista presunção de que foram utilizados na prática de ilícitos tributários. Tais bens são encaminhados à disposição do juízo competente, que tem cinco dias para decidir no sentido de que tais bens sejam devolvidos ou que permaneçam cautelarmente apreendidos.
No que tange à execução fiscal propriamente dita, o modelo venezuelano desdobra-se junto ao Judiciário, com procedimento previsto no Codigo aqui estudado. Tem-se conceito de título executivo, que pode ser qualquer documento que faça prova dos créditos que a administração pretende receber. Na medida em que apresentados em juízo, os referidos documentos instruem procedimentos de penhora.
Há requisitos que qualificam a documentação que se pretende utilizar como título executivo. Deve-se indicar lugar, data de emissão e prazo ou data de pagamento. Aponta-se o devedor e respectivo domicílio tributário. Explicita-se o tributo e o montante devido, bem como o exercício fiscal. Calculam-se e espelham-se juros. Indica-se o funcionário responsável pela confecção do documento.
A petição inicial identifica o representante do fisco, o executado, a natureza da contenda, seu objeto, as razões nas quais se funda o requerimento do exequente. Com a inicial, o ente público pode requerer penhora; o valor dos bens penhorados não pode exceder ao dobro do quanto se persegue, acrescido de quantidade suficiente para o recolhimento de custas e juros, de acordo com estimativas.
Na hipótese de que os referidos bens sejam de natureza que não permita as eventuais estimativas, penhora-se quaisquer dos bens do executado, ainda que o valor do bem penhorado exceda o dobro do valor do débito acrescido de custas e juros estimados. Quando a penhora recair sobre dinheiro, limita-se ao valor cobrado, acrescentado de custas e juros. Na hipótese de que não existam bens passíveis de penhora, pode-se penhorar o salário ou a aposentadoria do devedor, enquadrados em limites fixados em lei.
Feita a penhora, o depositário do bem será o representante do fisco, se este assim o requerer. Em audiência intima-se o devedor, outorgando-se prazo de cinco dias para que recolha o que o fisco entenda devido; o devedor também conta com cinco dias para comprovar que efetivamente recolheu os valores cobrados. No mesmo prazo, o devedor poderá impugnar a execução, fazendo-o, tão-somente, com base em número fechado de motivos: pode invocar que já recolheu a obrigação; pode argumentar que há recurso administrativo pendente, ou que há ação em andamento, no sentido de que qualquer procedimento, administrativo ou judicial, tenha relação com o montante cobrado; pode se opor à execução, comprovando-se que o crédito está extinto, porquanto se implementou alguma previsão de extinção da pretensão do fisco.
Dispõe-se que, se até a audiência que segue a intimação, o devedor não comprovar o recolhimento da obrigação cobrada, determina-se o leilão dos bens penhorados, seguindo-se, em linhas gerais, as regras do processo civil venezuelano. O juízo competente pode nomear perito avaliador que fixará o preço justo dos bens penhorados, apresentando laudo em 15 dias contados da data em que aceitou a incumbência. Fisco e executado podem impugnar a avaliação, designando-se novos avaliadores, nos termos da legislação processual venezuelana.
Obtido o valor da avaliação deve-se dar publicidade à esta última. Ao longo de dez dias, publica-se o anúncio do leilão em diário de maior circulação na localidade onde corra a execução. Divulga-se a identificação de exequente e executado, natureza dos bens penhorados, certidões negativas, tratando-se de bens imóveis, os preços justos dos bens que serão leiloados, lances mínimos, local, dia e hora do certame.
Cópias dos referidos editais devem ser fixadas nas portas do juízo competente. No caso de bens imóveis, os lances não podem ser inferiores à metade do valor fixado como preço justo. Cumpridas todas as formalidades, faz-se então a hasta pública, conduzida por juiz ou oficial competente. Na eventualidade de que o fisco não consiga levantar valores suficientes para a satisfação do crédito que persegue, pode haver pedido de penhora complementar.
O Codigo dá conta ainda de conjunto de medidas cautelares em favor do fisco. É que evidenciado risco para o recebimento de créditos, bem como de juros e demais encargos, ainda que se tenha recurso pendente, a administração tributária competente para apreciar contencioso administrativo poderá penhorar preventivamente bens móveis do devedor, bem como promover o sequestro dos referidos bens, a par de proibir que o devedor aliene ou grave bens imóveis que possua. Tais medidas podem ser tomadas no caso da cobrança de multas, quando se tenha recurso hierárquico administrativo com trânsito em julgado ou ainda sentença de primeira instância de recurso contencioso tributário, também em âmbito administrativo.
As referidas medidas devem ser requeridas junto a tribunal competente. O juiz deverá decretar a medida no mesmo dia, podendo o prazo ser ampliado até o dia seguinte, independentemente do conhecimento do devedor. O aludido ato judicial fixa o prazo de duração da medida. Esta não pode ser superior a 90 dias contínuos, prorrogáveis por igual prazo, por requerimento da administração fiscal. Não se exige caução para que se decrete as referidas medidas cautelares. No entanto, o fisco é responsável pelas medidas que requereu. Estas poderão ser substituídas, por requerimento do executado, mediante a prestação de garantias que o juízo competente julgue suficientes.
O contribuinte conta com medida judicial para corrigir demoras ou prejuízos decorrentes da omissão, do silêncio ou de demais prejuízos causados pela administração. Trata-se de remédio que lembra o Mandado de Segurança do Direito brasileiro. Cuida-se da acción de amparo, que pode ser ajuizada por qualquer prejudicado, por escrito, que indique em pormenor o que se pretendeu e o que se pretende, isto é, demonstra-se o prejuízo causado pela administração, instruindo-se o requerimento com a documentação que informa a tramitação do procedimento administrativo. O Judiciário assina prazo breve e peremptório para resposta. Em seguida, tem cinco dias para decidir, podendo, inclusive, indicar prazo para que a administração tome medidas. Há juízo de segundo grau, com prazo de dez dias para apelação.

Sobre o mesmo assunto, lei também:

Execução fiscal administrativa nos EUA intimida

Execução argentina permite penhora antecipada de bens





0 comentários:

Postar um comentário