Páginas

terça-feira, 29 de junho de 2010

Há elefantes e formigas entre advogados públicos

Conjur
29 de junho de 2010
Advocacia Federal
Por Aldemario Araujo Castro 
Procurador da Fazenda Nacional, corregedor-geral da Advocacia-Geral da União, professor e mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília
A importância da Advocacia Pública Federal está consagrada no artigo 131 da Constituição. Com efeito, o constituinte originário conformou uma instituição (não um "simples" ministério, suprimível do cenário da Administração Pública por uma "singela" lei ordinária), inserida entre as funções essenciais à Justiça, para representar a União, judicial e extrajudicialmente, e desenvolver as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
O desdobramento, detalhamento ou explicitação das funções inscritas explicitamente no Texto Maior demonstra, com cores mais vivas, a singular importância estratégica da Advocacia Pública Federal para o Estado e para a sociedade brasileira.
Com efeito, a representação judicial e extrajudicial do Poder Público Federal viabiliza, entre outros:
a) a manutenção da arrecadação tributária e, por extensão, das despesas públicas financiadas por esses ingressos;
b) a manutenção de uma série de políticas públicas "atacadas" em juízo;
c) a manutenção de uma série de decisões da Administração Pública na forma de atos e contratos administrativos;
d) que pagamentos excessivos e indevidos não sejam realizados no âmbito das execuções contra a Fazenda Pública, visíveis, posteriormente, na forma de requisições de pequeno valor e de precatórios e
e) a defesa judicial de autoridades federais, quando se justifica, na forma de ato específico do Advogado-Geral da União.
Ainda no âmbito da representação judicial merece realce a cobrança ou recuperação de créditos públicos não pagos. Afinal, somente quando o devedor é efetivamente cobrado em juízo opera-se a igualdade de sua condição com a do contribuinte, aquele que honrou suas responsabilidades fiscais. Nessa seara, não custa lembrar a triste existência:
a) de uma"política" deliberada de sonegar os meios necessários para o desempenho eficiente dessa importante atividade da Advocacia Pública e
b) o crescimento, inclusive no seio da própria Advocacia Pública, de propostas mirabolantes, equivocadas e mal-intencionadas voltadas para privatizações, terceirizações e "desmoralizações" das ações de recuperação de créditos.
As atividades de consultoria e assessoria jurídicas ganham importância e força continuamente. Com efeito, a consultoria jurídica é cada vez mais valorizada por conta da identificação de seu papel crucial na formatação de atos administrativos constitucionais e legais e de políticas públicas que resistam aos vários tipos de ataques jurídicos.
Nessa seara, ganha corpo, também, o movimento de regularização da condição dos agentes envolvidos, no sentido da privatividade da atuação em questão por advogados públicos (ocupantes de cargos efetivos depois da aprovação em concurso público).
Atualmente, o desempenho ou exercício dessas relevantes e multifacetadas atividades é realizado por um contingente de cerca de sete mil advogados públicos federais das carreiras de Advogado da União, Procurador do Banco Central, Procurador Federal e Procurador da Fazenda Nacional. Esses profissionais estão espalhados por todo o País em unidades jurídicas locais, estaduais, regionais ou de direção superior. Uma fração expressiva desse quantitativo exerce funções de chefia, direção e assessoramento. A maior parte dos advogados públicos federais empresta rosto, vida, energia e substância às abstrações denominadas de representação judicial e extrajudicial, assessoramento e consultoria jurídicos.
Neste passo, cabe uma singular distinção quanto aos níveis e as visibilidades das atuações funcionais dos advogados públicos federais. Sob certo aspecto de análise, podemos dizer que existem elefantes e formigas entre os advogados públicos federais. São atuações diferentes, igualmente relevantes e complementares.
Ocorre que as formigas, pela menor visibilidade e maior número, são menos lembradas e prestigiadas.
Os elefantes atuam no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça nas "grandes" causas, aquelas que mobilizam o mundo jurídico e a imprensa.Participam de audiências com Ministros, distribuem memoriais e fazem concorridas e elogiadas sustentações orais. Também participam das reuniões onde são tomadas as "grandes" decisões e "formatadas" as mais importantes políticas públicas, invariavelmente com a presença de Ministros de Estado e até do Presidente da República. São aqui chamados de elefantes pela elevada visibilidade e pelo considerável "espaço" ocupado no plano institucional.
Já as formigas, as milhares de formigas da Advocacia Pública, não chamam tanta atenção e não ocupam tanto "espaço". Quando tratam com as autoridades judiciárias, dirigem-se aos magistrados de primeira instância ou, no máximo, aos integrantes dos Tribunais Regionais Federais. As reuniões, quando ocorrem, envolvem autoridades regionais ou dos escalões "inferiores" (terceiro, quarto ou quinto). Entretanto, enganam-se profundamente aqueles que não reconhecem (desdenham, inclusive) a importância estratégica das formigas da Advocacia Pública. E não são poucos os "enganados". Eles estão na imprensa, no Parlamento, entre os formuladores da política remuneratória da Administração Pública Federal e, por incrível que pareça, em elevados postos de direção da própria Advocacia Pública.
Alguns exemplos da atuação das formigas da Advocacia Pública são eloqüentes confirmações da consideração anterior em relação ao papel fundamental e estratégico desse "esquecido" segmento da Administração Pública. Vejamos alguns casos no âmbito das atividades dos Procuradores da Fazenda Nacional e com um "atrativo" especial por envolver recursos pecuniários (à toda evidência, inúmeras outras situações, com diversos "coloridos", podem ser levantadas no âmbito de atuação das outras carreiras da Advocacia Pública Federal e com a resguardo de bens ou valores igualmente relevantes mas sem uma mensuração monetária imediata):
a) a redução do valor executado contra a Fazenda Nacional (numa discussão de repasses ao Fundo de Participação dos Municípios como matéria de fundo), no âmbito da Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional no Distrito Federal (PRFN/DF), de R$ 120 milhões para R$ 1,2 milhão;
Convém esclarecer que cerca de nove em cada dez execuções contra a Fazenda Nacional envolvem valores excessivos ou indevidos. Imagina-se a economia de bilhões de reais a cada ano com a atuação das unidades da PGFN/AGU (procuradores e setores de cálculos) em milhares de processos desse tipo.
Ainda neste ponto, deve ser consignado que falta um trabalho sistemático de apuração e demonstração dos valores efetivamente economizados, assim como falta a devida atenção para a estruturação e escorreito funcionamento dos setores de cálculos.
b) o "esquecimento" da necessária conversão em renda da União, no âmbito da atuação judicial da PRFN/DF, de depósitos judiciais da ordem R$1 milhão. Tal "esquecimento" foi superado com a diligente atuação de um Procurador da Fazenda Nacional;
c) a correção, no âmbito da atividade consultiva da PRFN/DF, da quantidade de adubo a ser comprada em procedimento licitatório do Ministério da Fazenda. No caso, o órgão público demandante não precisava de 130 toneladas, como previsto na minuta de edital da licitação. A necessidade efetiva, corrigida pela atuação cuidadosa de um Procurador da Fazenda Nacional, representava tão-somente 13 toneladas;
d) a efetiva cobrança dos grandes devedores, por intermédio de operações "pente-fino" e semelhantes, de iniciativa e concepções "locais" (nas unidades de execução da PGFN/AGU) em contraponto aos imensos "favores" consagrados nos seguidos e "criativos" parcelamentos especiais (REFIS, PAES, PAEX, etc, etc, etc);
e) conforme informação prestada pelo Procurador-Regional da PRFN/DF, consta do relatório sumário das ações mais impactantes da Divisão de Acompanhamento Especial da unidade no ano de 2009: e.1) nas ações de crédito-prêmio de IPI a atuação evitou perdas de aproximadamente R$ 9,915 bilhões, sem contar os feitos ainda pendentes de manifestação judicial; e.2) em ações relacionadas com a COFINS de entidades financeiras, evitou-se uma perda de arrecadação de aproximadamente R$ 1 bilhão por ano (com impacto orçamentário a perdurar por 10 anos, perfazendo, no longo prazo, R$ 10 bilhões e e.3) com a vitória no processo relativo ao Sistema de Controle de Bebidas (SICOBE) evitou-se a perda de arrecadação direta estimada em R$ 456 milhões cujo efeito multiplicador poderia causar uma perda de R$ 6 bilhões de reais por ano na arrecadação federal.
Estranhamente, existem importantes setores do Poder Público, até mesmo no seio da Advocacia Pública, que não compreendem, ou não querem compreender, de boa-fé ou de má-fé, a importância estratégica para o Estado e a sociedade brasileira de uma Advocacia-Geral da União devidamente estruturada como uma instituição de Estado com um perfil fundamentalmente profissional. Não são poucas as tentativas, explícitas e veladas, de amesquinhar, de inúmeras formas, esse fundamental instrumento de aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito.
O alento, neste quadro de dificuldades (e de vitórias), é que o trabalho cotidiano das formigas continua e continuará. O Brasil não quer acabar com as formigas da Advocacia Pública (embora não tenha essa consciência muita clara). Chegará o dia, mais cedo ou mais tarde, em que o trabalho das formigas da Advocacia Pública será reconhecido, em todas as dimensões da palavra, e adequadamente recompensado, também em todas as acepções do termo.

0 comentários:

Postar um comentário