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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Lei dos Juizados de Fazenda Pública reabre debate

Conjur
03 de agosto de 2010
O parágrafo 3º do artigo 109 da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que “serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual”.
Antes da Carta Magna de 1988, o artigo 15, inciso III, da Lei 5.010/1966, já havia determinado que “os feitos ajuizados contra instituições previdenciárias por segurados ou beneficiários residentes na comarca, que se referirem a benefícios de natureza pecuniária”, deveriam ser julgados pela Justiça Estadual naquelas comarcas onde não havia Justiça Federal instalada.
A Lei 10.259/2001, que criou os Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais, representou, sem dúvida, uma enorme democratização do acesso à Justiça em matéria previdenciária. Mas esse avanço ficou restrito às capitais e grandes cidades. Permitiu aos cidadãos dessas grandes cidades buscar seus direitos previdenciários nos Juizados Especiais Federais Cíveis, por um rito processual mais rápido e eficiente e independentemente da constituição de advogado ou defensor público.
O artigo 20 da Lei 10.259/2001 trouxe, contudo, uma frustrante regra, aplicável aos cidadãos da esmagadora maioria dos pequenos municípios do interior do país, onde a Justiça Federal ainda não está instalada: “Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no artigo 4º da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual”.
Repetindo: “...vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual”.
Alguns doutrinadores e julgadores ainda tentaram superar o disposto na parte final do citado artigo 20. Podem ser aqui citados, a título de exemplo, a juíza estadual Ana Raquel Colares dos Santos Linard e o juiz federal Helio Silvio Ourem Campos.
Todavia, acabou predominando, na jurisprudência, a tese de que o procedimento da Lei 10.259/2001 não poderia mesmo ser aplicado na Justiça Estadual. No ponto, a Turma Nacional de Uniformização, apreciando o Pedido de Uniformização de Jurisprudência 200438007764618, em que o relator foi o juiz federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, decidiu:
PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE - PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO - JULGAMENTO PELO RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS - IMPOSSIBILIDADE. I - Pedido de concessão de pensão por morte, ajuizado contra o Instituto Nacional do Seguro Social, processado e julgado pelo rito dos juizados especiais estaduais. II - Nulidade do processo em face do art. 8º da Lei n. 9099/95, que proíbe que pessoas jurídicas de direito público sejam partes no rito por ela determinado. III - Pedido de uniformização conhecido e provido (decisão por maioria, com o voto vencido do juiz federal Helio Silvio Ourem Campos).
Evidentemente, não é mais hora de discutir o acerto ou o desacerto do aludido entendimento jurisprudencial. Ocorre, todavia, que, finalmente, com a chegada ao mundo jurídico da Lei 12.153/2009, que regulamenta os Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual, a situação se modificou, especialmente porque o recente diploma criou, de forma muito explícita, em seu artigo 1º, parágrafo único, o Sistema dos Juizados Especiais.
Esse Sistema dos Juizados Especiais, formado basicamente pela conjugação das Leis 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009, se devidamente lido e compreendido com as luzes e as esperanças agasalhadas no princípio constitucional do acesso à Justiça (Constituição Federal, artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII), não tolera mais a distinção que se estabeleceu sob o advento do artigo 20, parte final, da Lei 10.259/2001. É que, com a instituição desse sistema, restou revogado, por completamente incompatível com essa nova ordem, o citado artigo 20.
Claudio Penedo Madureira e Lívio Oliveira Ramalho lembram que “esse ‘sistema’, ainda tendo em vista a literal disposição da lei, é composto pelos Juizados Especiais Cíveis, pelos Juizados Especiais Criminais e pelos Juizados Especiais da Fazenda Pública (art. 1º, p. único), que também incluem, pelas razões dantes expostas, os Juizados Especiais Federais. Ora, a ideia de ‘sistema’ evoca um conjunto de partes ligadas umas às outras por um princípio comum” (Juizados da Fazenda Pública, Editora Juspodivm, página 53).
Depois de algumas considerações sobre a teoria dos microssistemas, e citando Humberto Theodoro Júnior, os dois aludidos estudiosos ainda ressaltam: “Em atenção a tais circunstâncias, Humberto Theodoro Júnior afirma que esses diplomas [as Leis 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009] ‘formam uma unidade institucional, isto é, um só estatuto, qual seja o estatuto legal dos Juizados Especiais brasileiros’” (página 55) (esclareci nos colchetes).
Ora, na atual conjuntura normativa, fundamentalmente considerando o Sistema dos Juizados Especiais, não faz mais o menor sentido constitucional retirar dos brasileiros residentes no interior deste imenso país (onde a Justiça Federal ainda não está instalada) o acesso à Justiça mais facilitado (sem, por exemplo, a necessidade de advogado, o que já parece uma enorme facilidade).
O entendimento em sentido contrário acaba impondo aos brasileiros mais necessitados (que não residem nas capitais e nas grandes cidades, e sim nos rincões do Brasil) o maior ônus processual para ter acesso à Justiça em matéria previdenciária, violando o artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII, da Constituição Federal.
Portanto, o artigo 20, parte final, da Lei 10.259/2001, tornou-se realmente incompatível com essa nova ordem inaugurada pela Lei 12.153/2009. Ele carece, no mínimo, de uma leitura conforme, para adequá-lo ao atual e vigente Sistema dos Juizados Especiais.

Edinaldo Muniz dos Santos é juiz de Direito da Comarca de Plácido de Castro, no Acre.

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