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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Defensoria zela pela correta aplicação das penas

Conjur
23 de agosto de 2010

Carlos Eduardo Rios do Amaral é defensor público do estado do Espírito Santo

Enfim, e a expectativa era grande na comunidade jurídica de direitos humanos, acaba de ser sancionada pelo senhor Presidente da República a Lei Ordinária Federal 12.313, em 19 de agosto de 2010. Esse diploma altera a Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, a chamada Lei de Execução Penal, para expressamente prever a assistência jurídica ao preso dentro do presídio e atribuir diversas competências à Defensoria Pública.
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, no dia 1º de junho de 2010, já tinha aprovado por unanimidade o parecer do relator deputado Mauro Benevides ao Projeto de Lei 1090/2007, de autoria do deputado Edmilson Valentim, que deu origem à Lei 12.313. O projeto não foi objeto de veto presidencial e, em linhas gerais, estabelece a competência da Defensoria Pública de garantir o acesso à Justiça, no âmbito da execução da pena e a prestação de assistência judiciária integral e gratuita.
Na sua redação originária, o projeto, no capítulo IX, artigo 81, alínea a, dispõe que a Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva. No artigo 8, alínea “b”, diz incumbir, ainda, à Defensoria Pública requerer, individual ou coletivamente, todas as providências dispostas nas alíneas do inciso I.
Na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania do Senado Federal, o projeto mereceu alterações de caráter não substancial, que tão-somente tornou mais claras as atribuições da Defensoria Pública na promoção da defesa dos presos e de seus familiares, para adequá-la aos termos da Lei Complementar 95, de 1998.
Pelo que, no Senado, foi suprimida a legitimidade de requerimento coletivo contida no artigo 81, inciso I, alínea “b”, apenas pelo fato de que tal legitimidade já se encontrava amplamente reconhecida na alínea “a” do mesmo artigo, que restou intocado, sendo redundante reiterá-la logo em seguida, “o que certamente não afasta a legitimação coletiva também nas hipóteses contempladas no inciso I do artigo 81-B”, como muito bem ressalta em seu parecer final o deputado Mauro Benevides. E, nas próprias palavras do senador Osmar Dias, relator do parecer aprovado na Comissão do Senado “o texto do projeto também pode ser aprimorado na redação do inciso I do artigo 81-B”. O advérbio “ainda”, posto entre vírgulas, no caput do artigo 81-B, acertadamente, resolve a discussão redacional.



Destarte, assim ficou assentada a legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento da Ação Civil Pública na defesa do preso e de seus familiares na execução penal:
“Capítulo IX
Da Defensoria Pública:
Artigo 81-A. A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva”.
Deveras, o artigo 81-A do Projeto atende ao disposto nas recentes alterações introduzidas na Lei Orgânica da Defensoria Pública Nacional pela Lei Complementar Federal 132/2009, que, agora, expressamente determina em seu artigo 4º ser função institucional da Defensoria Pública o exercício da defesa dos interesses individuais e coletivos dos grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado. E, indubitavelmente, nenhum outro grupo social, por evidente, é mais vulnerável do que aquele composto pela massa de pessoas presas no sistema penitenciário brasileiro, muitas vezes alvo de representações em sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos ocasionadas pelas graves e péssimas condições dos presídios mantidos pelo Poder Público.
A própria restrição da liberdade, por si só, já traduz estado sublime e óbvio de vulnerabilidade daquela coletividade que busca a preservação de direito fundamental violado pela omissão ou abuso estatal. Qualificando ainda, nestes casos, o preso e todos os familiares da população carcerária envolvida como substituídos processuais, uma vez que estes também são diretamente interessados na busca da preservação da dignidade humana do parente recluso, enquanto meio e fator social de estímulo e recuperação do preso. Cabendo também concluir que a efetivação das disposições de sentença ou decisão criminal, proporcionando condições para a harmônica integração social do condenado e do internado, é direito coletivo latu sensu de toda a sociedade, em qualquer Estado Democrático, que possua entre seus pilares fundamentais a primazia da dignidade da pessoa humana.
O papel da Defensoria Pública, assim, na esfera da tutela coletiva dos encarcerados é, com a sanção ao Projeto pelo Senhor Presidente da República, marco fundamental para fazer cessar, de uma vez por todas, torturas e superlotações nas cadeias públicas, principais causas de deflagração de sangrentas rebeliões. A molecularização dessas demandas envolvendo queixas dos presos, a par de significativamente contribuir para uma maior celeridade e brevidade na entrega da prestação jurisdicional, concorrerá como instrumento de proteção ao corajoso delator de graves violações dos direitos humanos pelo Poder Público. Muitas vezes, o preso ou o familiar, auxiliará estrategicamente, como instrumento provocador, a atividade do Defensor Público, na busca de mais elementos suficientes e legítimos para a dedução da demanda coletiva visando à regularidade da execução da pena e responsabilização do agente público pela falta grave.
Nas lúcidas palavras do autor do projeto de lei, deputado Edmilson Valentim, quando da sua justificação à Câmara dos Deputados em maio de 2007:
“O papel do Defensor Público é de suma importância diante do emaranhado burocrático que cerca a execução penal, fazendo a interface entre a Administração Pública Penitenciária e o Poder Judiciário, muitas vezes alijado do cotidiano das unidades prisionais.
De outro lado, a presença constante dos defensores públicos dentro das unidades prisionais impõe-se como uma medida eficaz para a diminuição dos índices de violência, corrupção, tortura e desrespeito à lei. Permite ainda a viabilização de projetos ressocializadores e a garantia do atendimento jurídico integral e gratuito assegurado pela Constituição Federal de 1988.
A atuação dos Defensores Públicos nas unidades prisionais é fundamental para a garantia do efetivo cumprimento da Lei de Execução Penal, contribuindo diretamente para a redução do nível de violência urbana e riscos de rebeliões. A Defensoria Pública é igualmente vital para a concretização dos ditames constitucionais, pois permite que os hipossuficientes possam reivindicar as suas pretensões, por intermédio de Defensores Públicos que sejam realmente independentes e livres de quaisquer formas de intervenção ou interferência do Estado na sua atuação.
O presente Projeto de Lei visa aperfeiçoar a Lei de Execução Penal, conferindo explicitamente à Defensoria Pública o papel de órgão provedor da garantia do princípio constitucional de acesso à Justiça, no âmbito da execução da pena. Desse modo, o Estado brasileiro contribuirá para a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos presos, internados, egressos e seus familiares, sem recursos financeiros para constituir advogado”.
Ninguém melhor do que o defensor público para conhecer, compreender e se irresignar com as aflições do preso e de seus familiares. Deve, por isto, ser a Defensoria Pública instituição indispensável e essencial para, de maneira independente e destemida, garantir em sede individual e coletiva o resgate da dignidade da pessoa humana do preso, zelando pelo exato cumprimento da pena em condições dignas e salubres, a propiciar a verdadeira ressocialização do apenado, impondo, ao poder público e seus agentes, quando for o caso, a responsabilização pelos danos materiais e morais ocasionados.
Os defensores públicos estaduais Broseghini e Borgo, tiram por méritos próprios, no estado do Espírito Santo, valiosíssimo precedente, antológico e magistral, da atuação da Defensoria Pública na temática das graves e conhecidas violações dos direitos humanos no sistema prisional capixaba, antes mesmo deste expresso assentimento legislativo. Eis a suma do venerável aresto alcançado por estes talentosos defensores, em sede coletiva, que abrilhantam a Defensoria Pública brasileira, na busca pela reparação de dano moral individual homogêneo, estranho à relação consumerista, pela via da Ação Civil Pública, na defesa da dignidade humana e dos direitos da personalidade do encarcerado:
“Apelação Civel Nº 47099136658
São Mateus - 4ª Vara Cível
Apelante: A Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo
Defensor Público Estadual Aurélio Henrique Broseghini Alvarenga
Defensor Público Estadual Rodrigo Borgo Feitosa
Apelado: O estado do Espírito Santo
Relator: Desembargador Samuel Meira Brasil Jr.
Ementa: Processual Civil. Ação Civil Pública. Defensoria Pública.
Legitimidade de recurso provido
1. A Defensoria Pública tem legitimidade para propor ações coletivas referentes a danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, por infração da ordem econômica e da economia popular, à ordem urbanística e qualquer outro direito difuso ou coletivo (artigo 5º, inciso II, da Lei 7.347/1985, com a redação dada pela Lei 11.448/2007).
2. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a Ação Civil Pública teve seu alcance ampliado para a defesa dos direitos individuais homogêneos, mesmo que não relacionados aos consumidores. (STJ, REsp 706.791/PE, relatora ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 2.3.2009).
3. Nessa linha, a Defensoria Pública tem legitimidade inclusive para as demandas coletivas referentes a direitos individuais homogêneos.
4. A disponibilidade do interesse defendido não constitui óbice à legitimidade da Defensoria Pública, mas, apenas, à do Ministério Público, o qual somente detém pertinência subjetiva, como substituto processual, para direitos individuais homogêneos indisponíveis.
5. Não faz sentido negar a legitimidade da Defensoria Pública para ações coletivas e admiti-la para demandas individuais, envolvendo as mesmas partes e idêntica causa de pedir.
6. Contudo, a legitimidade da Defensoria Pública deve ser concebida nos limites de sua atuação institucional, a saber, para a defesa das pessoas necessitadas. (STJ, REsp 984.430/RS, relator ministro João Otávio de Noronha, DJ 22.11.2007, página 238).
7. Eventual sentença de procedência da ação coletiva deve, portanto, ter seu campo de abrangência limitado às pessoas comprovadamente necessitadas, cuja insuficiência de recursos venha a ser demonstrada em sede de liquidação de sentença. (STJ, REsp nº 912.849/RS, voto vista ministro Teori Zavascki).
8. Recurso provido”
Aderindo às judiciosas razões erguidas pela Defensoria no caso, registrou o Eminente e Vanguardista Desembargador Relator em seu decisum monocrático:
“Não faria sentido afastar a legitimidade da Defensoria Pública para demandas coletivas relacionadas à defesa da dignidade do preso, matéria de estatura constitucional e diretamente vinculada à finalidade dessa instituição, e reconhecê-la exclusivamente para as demandas individuais ou coletivas relacionadas à matéria consumerista”.
O Congresso Nacional fez sua parte, com a aprovação do Projeto de Lei 1090/2007, e, agora, sua sanção presidencial, convertendo-o na Lei 12.313, de 19 de agosto de 2010, à Defensoria Pública caberá a elevada e sagrada missão de, pela via da Ação Civil Pública, obrigatoriamente fazer abreviar o sofrimento de milhares de presos e de seus familiares velando pela regular execução da pena e de seus incidentes, para a defesa coletiva destes necessitados, em todos os graus e instâncias da Justiça.

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