30 de julho de 2010
Marcos Ribeiro de Barros é procurador do estado de São Paulo em Brasília e Diretor do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública.
Muito se tem incentivado, nos dias de hoje, a composição amigável dos conflitos como forma de pacificação social efetiva. Outro objetivo que desponta dessa tendência é o de desafogar o Poder Judiciário de causas menores, cuja resolução, na maioria das vezes, depende somente de um pouco de boa vontade e esforço das partes, sendo desnecessária a demanda judicial.
No campo da tributação, vivemos uma época de crise da cobrança judicial dos créditos fiscais. Com um estoque bilionário de dívida ativa a ser cobrado, o poder público — União, estados, Distrito Federal e municípios —, tem conseguido resultados que não têm sido proporcionais ao esforço cada vez mais intenso despendido pelos seus órgãos de advocacia pública.
Desse estoque bilionário, grande parte corresponde a débitos de pequeno valor, cuja cobrança judicial muitas vezes se mostra antieconômica, cotejando-se os resultados obtidos com os custos processuais e a dispendiosa mobilização das qualificadas máquinas de advocacia pública e judiciária.
Na linha dessa mobilização nacional pela composição amigável dos conflitos, o Poder Executivo, como um dos poderes do Estado, tem a obrigação de experimentar novas formas de recuperação dos seus créditos, não necessariamente pela via judicial.
Uma das modalidades que pode se apresentar como boa alternativa é a de, na fase administrativa, facultar-se ao contribuinte devedor a conversão da obrigação de pagamento em obrigação de fazer, consistente em uma prestação social alternativa. A um comerciante, por exemplo, que devesse uma pequena quantia de ICMS, seria facultado, em uma fase conciliatória precedente à judicial, optar pela prestação de algum serviço à comunidade onde esteja situado o seu estabelecimento comercial, como forma de saldar o débito fiscal.
Apenas para dar alguns exemplos, dentre uma infinidade deles: o dono de uma loja de tintas que devesse ICMS ao estado poderia, por exemplo, pelo valor equivalente à sua dívida, pintar uma escola ou algum outro equipamento público do seu próprio bairro; o devedor que tivesse um depósito de material de construção poderia recuperar uma praça pública da sua comunidade, instalando bancos, bebedouros etc.; ou o dono de uma padaria poderia fornecer pãezinhos a uma creche pública do seu bairro, durante o tempo necessário para quitar a sua dívida.
Como tornar interessante essa alternativa para o devedor, que geralmente investe na morosidade da execução fiscal? Possibilitando que ele, por exemplo, após a prestação desse serviço, pudesse fazer alguma propaganda institucional do seu estabelecimento, colocando uma pequena placa na parede da escola, gravando o nome da sua empresa no banco da praça (como, aliás, acontece com empresas que voluntariamente fazem isso) ou, no caso da padaria, durante o prazo de fornecimento dos pães, fazendo algum tipo de propaganda no seu próprio estabelecimento comercial. Não haveria, nessa propaganda institucional, nenhuma referência à extinta dívida fiscal, não maculando, desse modo, a imagem da pessoa jurídica — pelo contrário, uma propaganda desse tipo, na região onde atua o comerciante, é sempre positiva para a imagem da empresa. Desse modo, ao invés do dinheiro que entraria nos cofres públicos e de maneira indireta voltaria à comunidade, aquele tributo exerceria uma função social direta em benefício da própria comunidade onde ocorreu o respectivo fato gerador, já que, em se tratando de ICMS, imposto indireto, quem arca com o ônus decorrente do seu pagamento é o próprio consumidor: a população local. Esse resultado é bem diferente do pagamento em dinheiro do débito fiscal: o dinheiro gerado numa certa comunidade, num certo bairro, decorrente do pagamento do ICMS, ingressa nos cofres públicos, na conta única do tesouro, e só indiretamente pode retornar à população local. Essa modalidade alternativa possibilitaria, desse modo, que o tributo voltasse na forma de um benefício concreto à mesma comunidade onde foi gerado.
A apresentação dessa alternativa ao devedor, como fase de composição amigável, seria uma etapa de um procedimento que englobaria, logo após, caso não houvesse a opção do devedor pela prestação alternativa, a inscrição do débito na dívida ativa, o protesto da respectiva certidão e a execução fiscal, estas últimas, é bom repetir, no caso de não opção pela via alternativa e de não pagamento após o protesto.
Essa possibilidade de escolha pelo devedor poderia (por meio de lei, sempre, com as alterações legislativas necessárias) ocorrer também na etapa judicial, caso não houvesse a composição na fase administrativa. Na sede da execução fiscal, o juiz, ao proferir o despacho determinando a citação do devedor, poderia fazê-lo para que pagasse o débito ou optasse por uma prestação social alternativa, nos moldes propostos.
Para tanto, bastaria que essas hipóteses fossem adicionadas aos textos do Código Tributário Nacional e da Lei de Execuções Fiscais, para que o imposto pudesse ser adimplido também por meio de alguma prestação social, e não somente em moeda (artigo 162 do CTN), e para que o devedor, na execução fiscal, fosse citado para, alternativamente, à sua escolha, pagar o débito em dinheiro ou optar por alguma prestação desse tipo.
Além desse claro benefício social, tal modalidade de conciliação será um instrumento de fortalecimento da figura do advogado público enquanto agente político de transformação social, na medida em que os órgãos de advocacia pública, titulares da cobrança dos tributos em nome do Estado, comandariam o cumprimento dessas obrigações de fazer.
A construção de um mundo melhor, mais humano, justo e solidário, requer uma nova postura e um novo olhar sobre as coisas — o Estado deve dar o exemplo.
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