Conjur
27 de abril de 2010
A cobrança da Fazenda a quem pode arcar com custas
Por André Luís Alves de Melo
A questão da Justiça gratuita tem sido confundida como mero instrumento para estimular aventuras jurídicas estimuladas pela permissiva incompreensão de seus limites. Na verdade, facilitar o acesso ao Judiciário não significa que o vencido não seja obrigado a pagar as despesas processuais ao final do processo.
A Constituição Federal não define quem seria competente para conceder a justiça gratuita, mas a Lei 1.060-50 estabelece que seria o juiz. Porém, nada impede que isto seja alterado em lei, pois em muitos países esta função é exercida por outros órgãos como na Europa.
Consoante o artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal "é dever do Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. A Lei 1.060 não exige a comprovação, mas a Constituição Federal sim. A rigor, em todos os países da Europa e nos Estados Unidos exige-se alguma forma de comprovação de carência para evitar abusos.
Lado outro, a extrema facilidade para se obter justiça gratuita na esfera judicial é um paradoxo em relação à notória dificuldade para se obter gratuidade nos cartórios extrajudiciais, o que acaba implicando que pessoas ajuízam ações judiciais por serem gratuitas e não usam os cartórios extrajudiciais para divórcios, por exemplo. Tudo isso, por falta de critérios legais para se definir parâmetros, o que transforma um direito em uma espécie de favor rei.
Parte significativa da justiça gratuita tem servido mais para fomentar o mercado jurídico do que realmente atender aos comprovadamente carentes. Nesse sentido, embora a Lei Federal 1.060-50 seja clara acerca da participação municipal nesta questão, principalmente extrajudicial. Esta via não interessa aos setores jurídicos que detêm monopólio de verbas e querem controlar toda a forma de acesso ao direito. Porém, assistência jurídica é assistência pública, logo atribuição municipal também, conforme artigo 23, II, da Constituição Federal e regulamentada em lei federal. Nesse sentido cita-se o seguinte artigo da lei 1060-50:
Artigo 1º. Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei. (Redação dada pela Lei 7.510, de 1986).
O município pode colaborar inclusive oferecendo meios extrajudiciais ou até mesmo peritos, além de advogados públicos. Existe uma divergência na doutrina e jurisprudência acerca dos conceitos de assistência jurídica e assistência judiciária, sendo que muitos sustentam que apenas no primeiro precisaria comprovar a carência (serviço jurídico) e no segundo caso não (custas e outros tributos). Não vamos aprofundar este debate neste texto. Contudo, a defensoria, por exemplo, em muitos processos não tem comprovado a carência de seus clientes e isto gera prejuízo para a advocacia privada e prejuízo ao Estado, pois tem que contratar mais defensor, em razão da ausência de critérios objetivos para a triagem.
O Código de Processo Civil aborda a questão da justiça e adiantamento das despesas (em sentido lato) nos artigos 19 e 20 transcritos abaixo:
Artigo 19. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença.
Artigo 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. (Redação dada pela Lei nº 6.355, de 1976).
Logo, podemos observar que o Código de Processo Civil considera que a justiça gratuita dispensa apenas o adiantamento e não como uma isenção absoluta.
Portanto, independente de se conceder justiça gratuita no curso do processo, o objetivo deste direito é apenas evitar que o acesso ao Judiciário seja negado em razão da necessidade legal de adiantamento das custas e despesas. Logo, ao final do processo nada impede que se dê cumprimento ao previsto no artigo 12 da Lei 1.060-50:
Artigo 12. A parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita.
Dessa forma, ao final do processo as cobranças de custas, taxas e despesas em relação ao vencido não estariam impedindo o acesso ao Judiciário. No entanto, os juízes estão agindo equivocadamente e confirmam a justiça gratuita ao final do processo e em razão disso não calculam o débito e nem remetem à Fazenda Pública para que tenha ciência do fato.
Na verdade, o juiz não tem autorização legal para conceder isenção tributária absoluta, mas apenas provisória. Afinal, as taxas, despesas e custas são verbas públicas em regra, logo são tributos, pois raramente o vencedor as adiantou, ou seja, quem assumiu o débito foi o próprio Estado ao pagar despesas com correio, mandados, perícias, e até deixando de receber adiantadamente as custas.
Porém, muitos juízes estão ao final do processo “suspendendo o dever de quitar as custas” por cinco anos e nem comunicam à Fazenda Pública. Ora, como ajuiza-se em torno de 20 milhões de processos por ano no Brasil e cada um tem em torno de R$ 1 mil de custas e 80% dos processos são de justiça gratuita, imagina-se um possível rombo aos cofres públicos de aproximadamente R$ 16 bilhões anualmente. É claro que este valor pode ser reduzido se comprovado que nem todos os beneficiados têm realmente condições de pagar as custas.
Esta necessidade de cobrança ao final apenas não se aplica em casos de dispensa absoluta como em processos da infância e adolescência (lei 8069/90) e autores de Ações Civis Públicas improcedentes, mas sem má-fé comprovada (Constituição federal).
Diante do exposto, podemos concluir que:
1) O juiz deve ao final do processo deve mandar a Contadoria calcular as custas (despesas processuais em sentido amplo) e remeter os valores à Fazenda Pública, quando o vencido foi beneficiado com justiça gratuita.
2) A Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos para cobrar os valores devidos ao erário, pelas vias judiciais ou extrajudiciais, se comprovar que o beneficiado tem condições de pagar o débito.
3) Comete ato de improbidade e crime tributário/administração pública o juiz que deixa de comunicar este valor à Fazenda Pública e arquiva o processo.
4) Importante que haja um Termo de Cooperação Técnica entre Judiciário e Fazenda Pública para operacionalizar este procedimento.
5) A cobrança das custas ao final do processo em relação ao vencido é medida justa que não impede o acesso ao judiciário, mas pode contribuir para a efetivação da conciliação e de meios extrajudiciais ao evitar aventuras jurídicas.
Por André Luís Alves de Melo
A questão da Justiça gratuita tem sido confundida como mero instrumento para estimular aventuras jurídicas estimuladas pela permissiva incompreensão de seus limites. Na verdade, facilitar o acesso ao Judiciário não significa que o vencido não seja obrigado a pagar as despesas processuais ao final do processo.
A Constituição Federal não define quem seria competente para conceder a justiça gratuita, mas a Lei 1.060-50 estabelece que seria o juiz. Porém, nada impede que isto seja alterado em lei, pois em muitos países esta função é exercida por outros órgãos como na Europa.
Consoante o artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal "é dever do Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. A Lei 1.060 não exige a comprovação, mas a Constituição Federal sim. A rigor, em todos os países da Europa e nos Estados Unidos exige-se alguma forma de comprovação de carência para evitar abusos.
Lado outro, a extrema facilidade para se obter justiça gratuita na esfera judicial é um paradoxo em relação à notória dificuldade para se obter gratuidade nos cartórios extrajudiciais, o que acaba implicando que pessoas ajuízam ações judiciais por serem gratuitas e não usam os cartórios extrajudiciais para divórcios, por exemplo. Tudo isso, por falta de critérios legais para se definir parâmetros, o que transforma um direito em uma espécie de favor rei.
Parte significativa da justiça gratuita tem servido mais para fomentar o mercado jurídico do que realmente atender aos comprovadamente carentes. Nesse sentido, embora a Lei Federal 1.060-50 seja clara acerca da participação municipal nesta questão, principalmente extrajudicial. Esta via não interessa aos setores jurídicos que detêm monopólio de verbas e querem controlar toda a forma de acesso ao direito. Porém, assistência jurídica é assistência pública, logo atribuição municipal também, conforme artigo 23, II, da Constituição Federal e regulamentada em lei federal. Nesse sentido cita-se o seguinte artigo da lei 1060-50:
Artigo 1º. Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei. (Redação dada pela Lei 7.510, de 1986).
O município pode colaborar inclusive oferecendo meios extrajudiciais ou até mesmo peritos, além de advogados públicos. Existe uma divergência na doutrina e jurisprudência acerca dos conceitos de assistência jurídica e assistência judiciária, sendo que muitos sustentam que apenas no primeiro precisaria comprovar a carência (serviço jurídico) e no segundo caso não (custas e outros tributos). Não vamos aprofundar este debate neste texto. Contudo, a defensoria, por exemplo, em muitos processos não tem comprovado a carência de seus clientes e isto gera prejuízo para a advocacia privada e prejuízo ao Estado, pois tem que contratar mais defensor, em razão da ausência de critérios objetivos para a triagem.
O Código de Processo Civil aborda a questão da justiça e adiantamento das despesas (em sentido lato) nos artigos 19 e 20 transcritos abaixo:
Artigo 19. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença.
Artigo 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. (Redação dada pela Lei nº 6.355, de 1976).
Logo, podemos observar que o Código de Processo Civil considera que a justiça gratuita dispensa apenas o adiantamento e não como uma isenção absoluta.
Portanto, independente de se conceder justiça gratuita no curso do processo, o objetivo deste direito é apenas evitar que o acesso ao Judiciário seja negado em razão da necessidade legal de adiantamento das custas e despesas. Logo, ao final do processo nada impede que se dê cumprimento ao previsto no artigo 12 da Lei 1.060-50:
Artigo 12. A parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita.
Dessa forma, ao final do processo as cobranças de custas, taxas e despesas em relação ao vencido não estariam impedindo o acesso ao Judiciário. No entanto, os juízes estão agindo equivocadamente e confirmam a justiça gratuita ao final do processo e em razão disso não calculam o débito e nem remetem à Fazenda Pública para que tenha ciência do fato.
Na verdade, o juiz não tem autorização legal para conceder isenção tributária absoluta, mas apenas provisória. Afinal, as taxas, despesas e custas são verbas públicas em regra, logo são tributos, pois raramente o vencedor as adiantou, ou seja, quem assumiu o débito foi o próprio Estado ao pagar despesas com correio, mandados, perícias, e até deixando de receber adiantadamente as custas.
Porém, muitos juízes estão ao final do processo “suspendendo o dever de quitar as custas” por cinco anos e nem comunicam à Fazenda Pública. Ora, como ajuiza-se em torno de 20 milhões de processos por ano no Brasil e cada um tem em torno de R$ 1 mil de custas e 80% dos processos são de justiça gratuita, imagina-se um possível rombo aos cofres públicos de aproximadamente R$ 16 bilhões anualmente. É claro que este valor pode ser reduzido se comprovado que nem todos os beneficiados têm realmente condições de pagar as custas.
Esta necessidade de cobrança ao final apenas não se aplica em casos de dispensa absoluta como em processos da infância e adolescência (lei 8069/90) e autores de Ações Civis Públicas improcedentes, mas sem má-fé comprovada (Constituição federal).
Diante do exposto, podemos concluir que:
1) O juiz deve ao final do processo deve mandar a Contadoria calcular as custas (despesas processuais em sentido amplo) e remeter os valores à Fazenda Pública, quando o vencido foi beneficiado com justiça gratuita.
2) A Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos para cobrar os valores devidos ao erário, pelas vias judiciais ou extrajudiciais, se comprovar que o beneficiado tem condições de pagar o débito.
3) Comete ato de improbidade e crime tributário/administração pública o juiz que deixa de comunicar este valor à Fazenda Pública e arquiva o processo.
4) Importante que haja um Termo de Cooperação Técnica entre Judiciário e Fazenda Pública para operacionalizar este procedimento.
5) A cobrança das custas ao final do processo em relação ao vencido é medida justa que não impede o acesso ao judiciário, mas pode contribuir para a efetivação da conciliação e de meios extrajudiciais ao evitar aventuras jurídicas.
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