Migalhas
21/01/2011
A década da informatização no Judiciário
Antonio Pessoa Cardoso
Desembargador do TJ/BA
A
lei 7.232, de 29/10/84, que dispõe sobre a Política Nacional de Informática, iniciou o ciclo legislativo da informatização no Brasil; criou o Conselho Nacional de Informática e Automação (Conin), a Secretaria Especial de Informática (SEI), o Distrito de Exportação de Informática, o Plano Nacional de Informática e Automação e o Fundo Especial de Informática e Automação.
A
Medida Provisória 2.200, de 28/6/01, institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil – e garantiu "a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica...".
No campo real e prático, o Brasil entrou na rede mundial no ano de 1992, mas somente em 1995, por meio da
Portaria 148 do Ministério da Ciência de Tecnologia, foi liberada a comercialização da informática.
No Judiciário, a
lei 7.244, de 7/11/84, depois a
lei 9.099/95, que criou os Juizados de Pequenas Causas, hoje Juizados Especiais Cíveis e Criminais, foi pioneira, quando permite o uso de "qualquer meio idôneo de comunicação", na prática de atos processuais em outras comarcas. A
lei 10.259, de 12/7/01, que dispõe sobre os Juizados na área Federal, prosseguiu na modernização, quando permite a intimação por meio eletrônico.
No campo do processo civil, a
lei 9.800, de 26/05/99 trouxe inovação para permitir o uso de nova tecnologia de comunicação, ao autorizar o envio de petições por fax ou e-mail, apesar da exigência da apresentação do original.
Depois de mais de doze anos, tramitando no Congresso Nacional, a
EC 45, de 08/12/04, alterou vinte e cinco artigos da Constituição e acrescentou quatro novos, abrindo, desta forma, espaço para a modernização do Judiciário. Daí nasceram o CNJ, destinado a controlar a área administrativa e financeira do sistema, a Súmula Vinculante, que contribui para acelerar as decisões e diminuir o número de processos, a repercussão geral das questões constitucionais como requisito para recebimento do Recurso Extraordinário no STF.
Dando continuidade, a
lei 11.280/06 inseriu um parágrafo ao art. 154 do CPC para autorizar os tribunais a "disciplinar a prática e a comunicação oficial dos seus atos processuais por meios eletrônicos...". Aí realmente, em termos de lei, na Justiça Comum, é marco fundamental para a substituição do papel pelo sistema on-line no Judiciário. Seguindo a mesma trilha, a
lei 11.341, de 7/8/06, modificou o parágrafo único do art. 541 CPC, aceitando a mídia eletrônica ou a internet como repositório de jurisprudência para comprovar divergência em recursos extraordinários e especiais.
A
lei 11.382, de 6/12/06, acrescentou o artigo 655-A ao CPC para autorizar o juiz a requisitar "à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre existência de ativos em nome do executado...". A penhora on-line, ou sistema Bacen Jud permite aos juízes obter informações sobre movimentação bancária dos clientes das instituições financeiras e determinar o bloqueio de contas-correntes ou qualquer conta de investimento.
Finalmente, o processo eletrônico foi definido pela
lei 11.419, de 19/12/06, que dispõe sobre a informatização do processo judicial e altera a
lei 5.869, CPC. Sua origem situa-se no PL 5.828/01 e destaca-se, porque foi a primeira vez que se facultou claramente ao Judiciário promover a informatização de todo o processo judicial.
As comunicações dos atos judiciais, como intimações, citações, apresentação de peças processuais e a transmissão do processo por meio virtual foram possíveis mercê dessa lei; também o Diário da Justiça on-line, a Carta de Ordem, Precatória e Rogatória. A Carta Judicial, na forma da lei, deverá conter a assinatura digital do juiz requisitante, emitida pela Autoridade Certificadora credenciada, assegurada pela
MP 2.200-2, de 24/08/01.
O art. 8º dessa lei elege, de preferência, a rede mundial de computadores como ambiente para tramitação dos processos.
O disposto no art. 12 torna possível aos próprios advogados distribuir a inicial, a juntada da contestação, de recursos e petições em geral, sem interferência alguma dos serventuários. O registro dos votos, acórdãos, decisões, enfim os autos do processo poderão ser registrados nos arquivos eletrônicos ao invés do uso do papel.
Em comentários que fizemos por ocasião da edição da lei dissemos que:
A lei foi um tanto evasiva quando não impõe um sistema eletrônico único em todo o território nacional, e para todas as Justiças, Federal, Estaduais, Trabalhista e Militar. Deixa a opção para cada Tribunal, possibilitando desta forma eventual manutenção dos autos originais, art. 8º, ou incompatibilidades de sistemas. E mais: a permissão ou não de uso da rede mundial de computadores não se mostra adequada para enfrentar as resistências que certamente aparecerão no seio do Judiciário. O termo "preferencialmente", possibilitará, no mínimo, atraso na implantação do novo sistema.
Assim, a informatização já é realidade no Judiciário, apesar dos obstáculos e das resistências que nos fazem lembrar ocorrência como aquela que se deu na Câmara Criminal do Tribunal da Relação de Minas Gerais, quando foi anulada uma sentença porque datilografada e não do próprio punho do juiz como teria que ser. Isto se deu há mais de oitenta anos, em 1929.
Aliás, o Código de Processo Civil de São Paulo de 1931 dizia:
"os actos judiciaes devem ser escriptos em vernáculo, com tinta escura e indelével, datados por extenso e assingnados pelas pessoas que nelles intervierem. Quando estas não possam ou não queiram fazel-o, assignarão duas testemunhas".
A informatização progrediu mais na Justiça Eleitoral, pois, mais de um milhão de eleitores, em 2010, já foram identificados para votarem por meio digital. É a identificação biométrica.
A previsão de máquina para votar já constava no Código Eleitoral de 1932, mas, em dezembro de 1981, o ministro Moreira Alves, encaminhou à Presidência da República o anteprojeto sobre a utilização da eletrônica nos serviços eleitorais.
Em 1989, deu-se a totalização eletrônica dos resultados em alguns estados, fundamentalmente em função do trabalho do Desembargador Carlos Prudêncio, responsável pela implantação do primeiro terminal de votação por computador, em Brusque/SC.
A primeira eleição totalmente informatizada aconteceu em 12/02/95, no município de Xaxim, oeste catarinense.
O STJ e Tribunais dos Estados dão um grande passo para proteger o ambiente e acabar com o papel, através do Diário de Justiça Eletrônico, previsto pela
lei 11.419/06; logo em seguida, maio/2007, o STJ recebeu o primeiro pedido de habeas corpus por meio da e-pet, petição eletrônica com certificação digital, impetrado por um advogado do Rio de Janeiro.
O sistema continua em fase de implantação e as petições eletrônicas são recebidas nos requerimentos e recursos de HC, nos processos de competência originária do presidente do STJ, tais como cartas rogatórias, sentenças estrangeiras e suspensão de liminar, de sentença e de mandado de segurança.
O peticionamento eletrônico, forma pela qual os advogados remetem, pela internet, as petições iniciais, recursos, documentos e requerimentos intermediários para o fórum e Tribunais já constitui prática de vários Tribunais.
No STF, o processo eletrônico (s-STF) iniciou-se em 30/05/06, com publicação da
Resolução 344. Na prática, a primeira movimentação ocorreu em 2007, com o peticionamento eletrônico dos Recursos Extraordinários, instituído pela
Resolução 350/07; adequado se mostrou o posicionamento da Corte, porquanto no ano anterior, 2006, registrou-se o maior número de processos distribuídos para o STF, no total de 116.216, enquanto em 2007 não passou de 112.938, em 2008, 66.873 e 2009, 41.107.
Outras Resoluções foram baixadas aumentando o número de processos por peticionamento eletrônico, a exemplo da Reclamação, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Cautelar, Rescisória, Habeas Corpus, Mandado de Segurança. Estas ações representam em torno de 10% do movimento total da Corte, mas importa em grande economia de papel, além de outras vantagens.
Já o STJ recebe dos Tribunais estaduais em torno de 40% de todo o trabalho movimentado, provocando sua digitalização. Agora todos os processos dos Tribunais dos estados são remetidos depois de digitalizados. Grande avanço!
Assim, tem-se como marco inicial da implantação do sistema eletrônico no Judiciário, o final do século passado. Resta muito para o avanço tecnológico importar em facilidades para o jurisdicionado, mas os Tribunais não têm mais retorno e reclama-se o processo digital com uniformidade de procedimentos para facilitar a integração de todo o sistema.
Desde início do ano de 2010, é possível no CNJ
o requerimento inicial eletrônico. Neste órgão superior da Justiça são possíveis as consultas públicas somente por meio eletrônico.
O CNJ tenta adotar sistema único em todos os tribunais do país para uniformizar os procedimentos judiciais, numeração, distribuição, audiências.
Os Tribunais superiores estreitaram seus relacionamentos com as redes sociais, a exemplo do Youtube, para vídeos, e o Twiter, para notícias e informações sobre os serviços.
No ano de 2009 foram julgados aproximadamente 307 mil processos, dos quais 54 mil por meios eletrônicos; nesse mesmo ano, os 29 Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais encaminharam para o STJ 223.900 processos, dos quais oito mil por meios eletrônicos. Ainda é pouco, mas calcula-se em torno de 5% o percentual de autos digitalizados no Brasil.
Na área criminal, além do uso da videoconferência, a
lei 12.258/09 autoriza o monitoramento eletrônico de condenados nos casos de saída temporária no regime semiaberto e de prisão domiciliar. As tornozeleiras eletrônicas permitem a liberação de presos com segurança e já está sendo usada em vários estados.
Na área estadual, poucos Tribunais enquadraram-se no sistema eletrônico, como, por exemplo, através do peticionamento eletrônico. Em alguns estados há experiências desta ou daquela vara ou câmara, mas a adesão dos juízes, dos desembargadores e dos advogados se processa muita lentamente.
Não se quer nem se pode afirmar que o processo virtual acabará com todos os males, principalmente a desigualdade de acesso à Justiça, mas está contribuindo para desburocratizá-lo, para diminuir os custos e para abrir caminho para o efetivo funcionamento da Justiça.
Para destoar de tudo o que está anotado acima, as faculdades de Direito no Brasil ainda não perceberam o avanço tecnológico no Judiciário e continuam ministrando aulas sem considerar o meio eletrônico, servindo-se somente do papel e dos ensinamentos tradicionais. Esta situação cria fortes obstáculos à transformação do Judiciário, porque a cultura jurídica forma-se no ensino jurídico.