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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Falsa declaração não configura falsidade ideológica

Conjur
24/01/2011

A falsa declaração de pobreza para se obter a isenção do pagamento de custas processuais não caracteriza crime de falsidade ideológica. A tese foi aplicada pela 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais para conceder Habeas Corpus e trancar Ação Penal contra um advogado e seu cliente.

Em decisão unânime, os desembargadores da 6ª Câmara consideraram que a falsidade ideológica só pode ser determinada quando a declaração, inserida em documento, tem força suficiente para demonstrar sozinha que a informação é falsa. Segundo o colegiado, esse não é o caso da declaração de pobreza, pois ela pode ser averiguada, e indeferida, pelo juiz.

De acordo com o artigo 299 do Código Penal, é crime de falsidade ideológica "omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante". A pena para essa modalidade criminal é de reclusão de um a cinco anos e multa, se o documento for público, ou reclusão de um a três anos e multa, se o documento for particular.

Os réus alegaram passar por constrangimento ilegal após o juiz Rowilson Gomes Garcia, da 4ª Vara Cível de Araguari (MG), receber denúncia oferecida pelo Ministério Público. O órgão acusou o advogado e seu cliente de cometer crime de falsidade ideológica em razão de terem apresentado declaração de pobreza falsa para isenção do pagamento de custas processuais.

Em seu voto, o relator do caso, desembargador Furtado Mendonça, afirmou que, como a declaração pode ser submetida à posterior avaliação do juiz, não há como se caracterizar o crime, já que não se presume verdadeira a afirmação. "Ademais, é imprescindível que a declaração falsa seja capaz de criar uma situação jurídica em detrimento da verdade acerca de fato relevante. E, in casu, a declaração visava apenas obter os benefícios da gratuidade, não abalando a fé pública, em meu entendimento."

Furtado Mendonça também citou o Código Penal Comentado, do desembargador paulista Guilherme de Souza Nucci, que explica que o juiz pode negar o pedido de Justiça gratuita ao se deparar com provas que mostrem as condições financeiras da parte. "A declaração de pobreza firmada para fins de obter os benefícios da justiça gratuita não pode ser considerada documento para os fins deste artigo [299 do CP], pois é possível produzir prova a respeito do estado de miserabilidade de quem pleiteia o benefício da assistência judiciária."

Outros casos
O voto do relator seguiu a jurisprudência do próprio tribunal. Em julgados anteriores, as 1ª e 7ª Câmaras Criminais do TJ-MG já haviam decidido que a declaração para obtenção do benefício da Justiça gratuita não caracteriza o crime de falsidade ideológica, uma vez que as informações prestadas podem ser verificadas depois.

Há ainda precedentes do Supremo Tribunal Federal. Em julgamento de Habeas Corpus em 2006, a ministra Ellen Gracie afirmou que declaração passível de averiguação não constitui documento para fins penais. "Se o oficial ou o funcionário que recebe a declaração estiver submetido a averiguar a fidelidade da declaração, o declarante, ainda que falte com a verdade, não cometerá o ilícito penal."

O mesmo entendimento é adotado em outros Tribunais de Justiça. No início de 2010, a 8ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP trancou Ação Penal por entender que, para configuração de falsidade ideológica, a declaração deve ter força probante por ela apenas. Já a 7ª Câmara Criminal do TJ-RJ, no fim de 2009, julgou que não podia ser considerado documento a declaração de pobreza assinada pela parte e anexada aos autos pelo seu advogado. "A declaração de pobreza como é cediço goza de presunção relativa, passível, portanto, de prova em contrário", disse o desembargador Siro Darlan, relator do caso.

Clique aqui para ler a decisão do TJ-MG.

HC 0619436-10.2010.8.13.0000

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