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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

CNJ deveria punir juiz que prendeu procuradora

Conjur
31/01/2011
Por
Luis Carlos Palacios
Advogado da União e presidente da União dos Advogados Públicos Federais do Brasil (Unafe)
Em sua última reunião, em um julgamento de resultado apertado (oito votos contra e sete a favor), em que foi preciso o voto do seu presidente, ministro Cezar Peluso, para desempatar, o Pleno do Conselho Nacional de Justiça decidiu não punir o juiz Sílvio César do Prado, que decretou a prisão da Procuradora Chefe da Seccional do INSS de Campo Grande (MS).


No caso citado, o juiz de Mato Grosso do Sul tomou tal decisão em um processo judicial de concessão de benefício previdenciário que tramitou na 1ª Vara de Cassilândia. Aquele juiz entendeu que a procuradora cometeu crime de desobediência ao não fornecer informações solicitadas por ele e por descumprir ordem judicial que determinava o pagamento de um benefício previdenciário. Segundo o site do próprio Conselho Nacional de Justiça, “a prisão foi decretada contra a procuradora enquanto autoridade do INSS que descumpriu ordem da Justiça, e não na posição de defesa do órgão na ação.”

Entendo que embora o resultado tenha sido apertado, aquele Conselho perdeu uma ótima oportunidade de fazer justiça a uma advogada pública federal que apenas cumpria seu mister constitucional.

E explico o porquê.

Inicialmente cumpre ressaltar o fato de que não é atribuição da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS a implantação, revisão de benefícios previdenciários ou juntada do processo administrativo, haja vista que se trata de atos administrativos de competência exclusiva de servidores do INSS.

Vale a pena lembrar também que a Procuradoria Federal é órgão da Advocacia-Geral da União (AGU), que tem como uma de suas atribuições a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações federais e, neste ponto, distingue-se da entidade que representa: a autarquia previdenciária. Essa possui personalidade própria, autonomia administrativa e financeira, bem como quadro próprio de servidores com competências específicas, dentre as quais, a implantação de benefícios previdenciários.

Além disso, o Juiz do Mato Grosso do Sul, bem como qualquer magistrado, até por dever de ofício, deveria saber que ao INSS legalmente compete a concessão de benefícios previdenciários dos trabalhadores vinculados ao Regime Geral de Previdência Social. E, portanto, a representação judicial exercida pelos advogados públicos, no caso concreto, procuradora federal, jamais se confunde com quaisquer medidas administrativas a serem adotadas pelos servidores do INSS.

Em verdade, não se pode confundir a parte com seu representante, pois os advogados públicos não têm poder hierárquico sobre os agentes de autarquias e fundações, sendo responsáveis apenas por sua representação judicial e extrajudicial. E a situação aqui ainda se agrava, porquanto o INSS dispõe de órgão específico para o cumprimento das ordens judiciais, qual seja, a Serviço de Atendimento de Demandas Judiciais, subordinada diretamente à Gerência Executiva do INSS.

Assim sendo nem o magistrado do Mato Grosso do Sul nem boa parte dos membros do Conselho Nacional de Justiça — aqueles que votaram contra a punição do juiz — levaram em conta que: o procurador federal não é servidor da Autarquia e não está a ela funcionalmente vinculado; não é atribuição do procurador federal em exercício na Procuradoria Federal junto à autarquia executar as providências para pagamento de benefícios previdenciários, a não ser pelo encaminhamento da solicitação ao setor competente da autarquia; não detém o Procurador Federal poder hierárquico para obrigar o cumprimento de decisões.

Em outras palavras, pretender atribuir responsabilidade administrativa a quem não as tem, uma vez que o procurador federal não é executor nem gestor do pagamento de benefícios previdenciários e não pode, por conseguinte, ser responsabilizado por eventual descumprimento de decisão judicial endereçada àqueles, é, sob qualquer ponto de vista, uma injustiça.

Por isso, ao proceder desta maneira, em face de membro de uma função essencial à Justiça, voltada à defesa do interesse público do Estado brasileiro (artigo 131 da Constituição Federal de 1988), aquele magistrado ofendeu toda a advocacia pública e demonstrou descaso com o próprio Estado Democrático de Direito.

O magistrado cometeu também uma ilegalidade e foi arbitrário ao decretar ordem de prisão a uma cidadã brasileira em razão de suposto crime que jamais comportaria pena de prisão, pois o delito de desobediência é considerado pela Lei 9.099/95 de menor potencial ofensivo, não admitindo sequer a instauração de inquérito policial, quanto mais a prisão.

Vale ressaltar que não foi essa a primeira vez que um magistrado, por falta de interpretação correta da lei, por excesso de autoritarismo ou quem sabe até mesmo vaidade, comete esse tipo de injustiça.

O que os advogados públicos federais esperam é que essa seja a última vez. Ou que, pelo menos, se isso voltar a acontecer, o Conselho Nacional de Justiça aja com mais rigor e puna quem, na verdade, desobedece a lei. Neste caso, o magistrado.

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