Conjur
20 de novembro de 2010
Ações complexas
Por Alexandre Pacheco Lopes FilhoAdvogado, especialista em Controles na Administração Pública pelo CEUT, assessor especial lotado na Controladoria Geral do Município de Caxias (MA).
Este artigo traz breves comentários sobre a nova jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que reconhece a competência dos Juizados Especiais para julgar demandas que englobam a realização de perícia. A decisão é contrária ao que vem se desenhando no Supremo Tribunal Federal (em julgamento que se encontra sobrestado devido a pedido de vista). Conclui-se que é acertado o entendimento do STJ, uma vez que a Lei 9.099/95 não impede a realização de perícia no âmbito dos Juizados Especiais, por não se tratar necessariamente de causa complexa.
No Brasil, desde a publicação da Lei 9.099/95 (que instituiu os Juizados Especiais) prevalecia na jurisprudência a ideia de que, havendo necessidade de perícia, estava automaticamente configurada a complexidade da causa, o que afastaria a competência dos Juizados Especiais Cíveis. Ocorre que tal entendimento pode se tornar ultrapassado com a nova jurisprudência do STJ.
O ponto central da discussão sobre o cabimento ou não de perícia em processos que tramitam nos Juizados Especiais é o enunciado do artigo 3º da Lei 9.099/95:
Artigo 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;II - as enumeradas no artigo 275, inciso II, do Código de Processo Civil;III - a ação de despejo para uso próprio;IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.
De acordo com o caput do artigo em tela, verifica-se que só as causas de menor complexidade são admissíveis no rito sumaríssimo. Mas, embora para alguns o conceito de causas de “menor complexidade” trazido pela norma supracitada seja claro (coincidindo com as causas elencadas nos incisos I a IV), a jurisprudência brasileira ainda não chegou a uma conclusão exata sobre o que é ou não uma causa complexa.
O Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje), ao tratar da matéria, publicou o Enunciado 12, segundo o qual: “A perícia informal é admissível na hipótese do artigo 35 da Lei 9.099/1995.” Dessa forma, conclui-se que, para o Fonaje, as perícias “formais” caracterizam as causas complexas e afastam a competência dos Juizados Cíveis.
Não há como negar que o enunciado deixa uma lacuna ao não trazer um conceito objetivo sobre o que vem a ser uma perícia “informal”. De qualquer forma, é indiscutível que a Lei 9.099/1995 admite expressamente a apresentação de parecer técnico trazido pelas partes ou elaborado por técnico inquirido pelo juiz, senão vejamos: “Artigo 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico”.
A matéria é objeto de análise do STF por ocasião do julgamento de Recurso Extraordinário[1]em que a empresa Souza Cruz (produtora de cigarros) questiona a competência dos Juizados Especais Cíveis para julgar causas complexas “do ponto de vista fático-probatório[2]”. É que a empresa foi condenada, por um Juizado Especial de São Paulo, ao pagamento de indenização por danos causados à saúde de um consumidor. De acordo com a decisão do referido Juizado, a necessidade de realização de perícia, por si só, não torna a causa complexa.
Destaque-se, que existem até agora quatro votos (do ministro Marco Aurélio, que é relator no recurso, e dos ministros Dias Toffoli, Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia) no sentido de se declarar a incompetência absoluta dos Juizados para o julgamento da questão. Na mesma sessão, realizada em 15 de setembro de 2010, o ministro Ayres Britto pediu vista dos autos.
A 3ª Turma do STJ, ao julgar Recurso em Mandado de Segurança[3] (RMS) 30170/SC, criou jurisprudência inovadora e que segue em sentido exatamente contrário ao que vem se desenhando no STF. A Corte julgou recurso de réu que foi condenado ao pagamento de indenização e pensão por acidente de trânsito que resultou em morte. Entendeu-se (por unanimidade) que os Juizados Especiais são competentes para julgar os processos que envolvem necessidade de prova pericial. De acordo com notícia publicada no site do STJ[4], a relatora, ministra Nancy Andrighi, teria afirmado que “a Lei 9.099/1995, que rege os juizados especiais, não exclui de sua competência a prova técnica, determinando somente o valor e a matéria tratada para que a questão possa ser considerada de menor complexidade”.
Na mesma sessão, a 3ª Turma decidiu ainda que os Juizados Especiais podem condenar o réu ao pagamento de indenização de valor superior a 40 salários-mínimos. Para a ministra Nancy Andrighi,[5]“a menor complexidade que confere competência aos juizados especiais é, de regra, definida pelo valor econômico da pretensão ou pela matéria envolvida. Exige-se, pois, a presença de apenas um desses requisitos e não a sua cumulação”.
Por fim, não se pode chegar a outra conclusão senão no sentido de reconhecer o acerto da jurisprudência do STJ, uma vez que a Lei 9.099/95 não impede a realização de perícia no âmbito dos Juizados Especiais (chegando inclusive a prever a possibilidade de haver parecer técnico no seu artigo 35).
Em nosso entendimento, o artigo 3º da Lei dos Juizados Especiais traz um conceito objetivo sobre o que vem a ser uma “causa de menor complexidade”, que coincide com as causas elencadas nos incisos I a IV. Em nenhum momento, a norma supracitada determina que os processos que envolvam prova pericial sejam necessariamente complexos.
Dessa forma, resta apenas aguardar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 537.427 perante o STF na esperança de que Corte reverta a tendência de não admitir perícia em Juizado Especial e siga a jurisprudência criada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.
BIBLIOGRAFIA
MALHEIROS, Nayron Divino Toledo. Competência absoluta de Juizado pode não resolver. Artigo publicado emhttp://www.conjur.com.br/2010-jan-24/competencia-absoluta-juizados-morte-sistema-falido, acesso em: 14 nov. 2010.
MARQUES, Nemércio Rodrigues. Considerações sobre a competência do juizado especial cível estadual. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2662, 15 out. 2010. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2010.
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[1] Recurso Extraordinário (RE) 537427. Rel. Min. Marco Aurélio. STF.
[2] Notícia publicada no site do STF em 01/11/10. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=164958
[3] Recurso em Mandado de Segurança (RMS) 30170/SC. Rel. Min. Nancy Andrighi. STJ.
[4] Notícia publicada no site do STJ (pela Coordenadoria de Editoria e Imprensa) em 03/11/10. Disponível em: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=91939
[5] Recurso em Mandado de Segurança (RMS) 30170/SC. Rel. Min. Nancy Andrighi. STJ.
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