Conjur
18 de julho de 2010
No ano de 2003, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça[1] firmou entendimento, através da decisão prolatada no Recurso Especial 493.342/RS[2], no sentido de que a Defensoria Pública estadual, por ser entidade desprovida de personalidade jurídica, não pode recolher honorários sucumbenciais decorrentes de condenação contra a Fazenda Pública estadual, em causa patrocinada por Defensor Público. O ministro José Delgado, então relator do acórdão, consignou que:
“A Defensoria Pública é mero, não menos importantíssimo, órgão estadual, no entanto, sem personalidade jurídica e sem capacidade processual, denotando-se a impossibilidade jurídica de acolhimento do pedido da concessão da verba honorária advocatícia, por se visualizar a confusão entre credor e devedor.”
A suposta confusão entre o órgão público e os estados membros foi repetidamente invocada pelo Tribunal Superior (EREsp. 566.551/RS, EREsp. 480.598/RS, REsp. 852.459/RJ, REsp. 1.108.013/RJ) até que, em 11 de março de 2010, decidiu o Superior Tribunal de Justiça formalizar seu posicionamento através da publicação do enunciado 421, segundo o qual “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.”
Formulamos neste ensaio argumentos jurídicos para demonstrar que a tese sustentada em 2003 pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça e recentemente transformada em enunciado de súmula por aquele tribunal, carece de respaldo legal e constitucional, ante o atual tratamento normativo conferido à Defensoria Pública.
Inicialmente, destacamos que a confusão, prevista nos artigos 1.049 do Código Civil de 1916 e 381 do Código atual, configura instituto de natureza civil pelo qual se reúnem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor. Cabe, portanto, indagar: seriam os Estados membros ou a União Federal (entes políticos) credores dos honorários sucumbenciais eventualmente recolhidos pela Defensoria Pública Estadual ou pela Defensoria Pública da União?
A Emenda Constitucional 45/04 concedeu à Defensoria Pública autonomia funcional, administrativa e financeira (iniciativa de elaboração de sua proposta orçamentária, prevendo a sua gestão financeira anual). Por via reflexa, a instituição deixou de ser um simples órgão auxiliar do governo, passando a ser órgão constitucional independente, sem qualquer subordinação ao Poder Executivo.[3] A Constituição Federal não deixa margem para indagações:
Artigo 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV).
(...)
Parágrafo 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no artigo 99, parágrafo 2º.
A Lei Complementar Federal nº 80/94, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, dispõe em seu artigo 4º, XXI, que
“são funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras, executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores.”
O dispositivo transcrito possui redação relativamente nova, promovida pela Lei Complementar Federal nº 132, de outubro de 2009. Os Estados membros têm o dever de adaptar a organização de suas Defensorias Públicas aos preceitos da Lei Complementar Federal nº 80, inclusive no que concerne à criação dos fundos de gestão das verbas sucumbenciais.
Extrai-se das normas transcritas que, implantados ou não os fundos destinatários da verba honorária recolhida pela Defensoria Pública, não há como argumentar que a Fazenda Pública (estadual ou federal) é credora dos valores arrecadados. Nesse sentido, sustentar hoje em dia a ocorrência de confusão, na trilha do velho entendimento encampado pelo Superior Tribunal Justiça, é, antes de tudo, negar validade ao texto legal.
A desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em decisão proferida no ano de 2008, sustentou que “A partir da vigência da Lei Complementar 65/2003 os honorários sucumbenciais relativos ao Defensor Público não são convertidos em renda para o Estado, razão pela qual são devidos pela fazenda Pública do Estado.”[4]
Na verdade é antiga a noção de que a verba honorária arrecadada pela Defensoria Pública não ingressa, em hipótese alguma, no patrimônio do ente político respectivo.
Vale lembrar que no Estado do Rio de Janeiro, o Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública – CEJUR/DPGE (criado pela Lei Estadual nº 1.146 de 1987), é custeado pelo Fundo Orçamentário Especial, cuja receita provém, dentre outras fontes, dos “honorários advocatícios que em qualquer processo judicial, pelo princípio da sucumbência, caibam à Defensoria Pública.” (art. 3º, I).
O verdadeiro sentido de ‘autonomia’ também deve ser invocado para rebater a vetusta tese pretoriana. Autonomia administrativa e financeira pressupõe capacidade de autodeterminação de uma instituição, conforme suas próprias leis, livre de qualquer fator externo com influência subjugante. Há bastante tempo Maria Sylvia Zanella Di Pietro já ensinava que “autonomia, de autós (próprio) e nómos (lei), significa o poder de editar as próprias leis, sem subordinação a outras normas que não as da própria Constituição; nesse sentido, só existe autonomia onde haja descentralização política.”[5]
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu recentemente decisão no sentido de que “A Defensoria Pública tem poderes para auto-organizar seus serviços, bem como capacidade para elaboração de orçamento próprio, com gestão e aplicação dos recursos que lhe são destinados.”[6]
Ora, parece claro que, se os tribunais reconhecem a autonomia da Defensoria Pública, mas, paralelamente, são obrigados (por força da súmula nº 421) a negar sua capacidade de gestão patrimonial, incorrem em grave contradição, redundando, conforme anteriormente sublinhado, em violação da norma jurídica que organiza a Instituição. Neste ponto, cabe ressaltar a colocação do Desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, Paulo Alfeu Puccinelli:
Tenho que a confusão alegada entre o Estado e a Defensoria Pública não ocorre, a uma, porque a Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, concedeu autonomia funcional à Defensoria Pública, ou seja, ela deixou de ser um órgão auxiliar do governo e se tornou um órgão constitucional independente, vale dizer, sem nenhuma subordinação ao Poder Executivo. Além do que, também recebeu autonomia administrativa e financeira. Assim, tenho que é perfeitamente possível o Estado de Mato Grosso do Sul ser condenado a pagar honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública, não ocorrendo a mencionada confusão prevista no artigo 381 do Código Civil.[7]
Tudo indica que existe no aludido precedente do Superior Tribunal de Justiça uma imprecisão terminológica, que foi ratificada pela súmula 421: órgão é entidade despersonalizada, não se discute. Todavia, se o órgão é autônomo (como, no caso, a Constituição afirma ser), pouco importa a ausência de personalidade jurídica. Impõe-se o reconhecimento de destinatários diversos de receitas: Estado membro (ou União Federal) e Defensoria Pública, estadual ou federal. Pensar o contrário é concordar com a absurda tese de que toda e qualquer verba honorária fixada em prol da Defensoria Pública pertence à Fazenda, estadual ou federal.
Em resumo: a súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça trata duas situações idênticas de forma distinta. Se o devedor sucumbente for pessoa diversa do Estado, o credor dos honorários será a Defensoria Pública. Caso contrário, se o devedor for o Estado, o credor não mais será a Defensoria, mas o próprio ente político. Curioso é que poucas pessoas questionam o absurdo desse raciocínio e a maioria simplesmente o toma como verdade.
À guisa de conclusão, verificamos que a antiga decisão do Superior Tribunal de Justiça, que serve como precedente para elaboração da súmula 421, foi proferida no ano de 2003, ou seja, antes da alteração constitucional promovida pela Emenda 45/2004, que consagrou a autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública. Precede também a elaboração da norma prevista no artigo 4º, XXI da Lei Complementar Federal 80/94, que alude aos fundos para aparelhamento da Instituição.
Logo, a conversão daquele vetusto entendimento em súmula, no ano de 2010, só pode ser qualificada como ilegal e inconstitucional. Isso porque ignora, de um lado, a existência dos fundos para aparelhamento da Defensoria Pública, expressamente referidos na Lei Complementar Federal nº 80/94 e, de outro, a autonomia administrativa e financeira assegurada pelo artigo 134, parágrafo 2º da Constituição Federal.
A súmula 421 revela também um privilégio injustificável (e circunstancial) para a Fazenda Pública, pois trata o Estado membro e União Federal como credores dos honorários recolhidos pela Defensoria Pública somente quando são sucumbentes em causa patrocinada por Defensor Público.
Reputamos fundamental perceber que a ausência de personalidade jurídica de uma entidade não elimina sua capacidade de gestão patrimonial autônoma, diversa daquela referente ao ente político. Como exemplo, citamos o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e da União, ambos órgãos classificados como independentes, a exemplo da Defensoria Pública.
[1] Interessante mencionar que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça é composta por ministros da Primeira Turma e da Segunda Turma e aprecia matérias de Direito Público, com ênfase para as questões administrativas e tributárias.
[2] STJ, Resp nº 493.342/RS, Primeira Seção, Ministro Relator José Delgado, julgamento em 10.12.2003.
[3] TJMS, Apelação Cível nº 2007.025343-7/0000-00, 3ª Turma Cível, Desembargador Relator Oswaldo Rodrigues de Melo, julgamento em 17.09.2007.
[4] TJMG, Apelação cível, nº1. 0024.06.148112-3/001, julgamento em 17.04.2008. Nesse sentido, decidiu, no ano de 2002, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul: “Com o advento da Lei Complementar Estadual n.º 94, de 26 de dezembro de 2001, os honorários advocatícios, nas causas patrocinadas pela Defensoria Pública Estadual, serão fixados em prol do respectivo órgão e não mais em favor da Fazenda Pública Estadual.” (Embargos de Declaração em Apelação Cível n. 2001.010484-9⁄0001.00, Primeira Turma Cível, rel. Desembargador Hildebrando Coelho Neto, julgamento em 28.05.2002).
[5] DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 350.
[6] TJRS, Apelação Cível nº 70022299911, julgamento em 10.04.2008.
[7] TJMS, Apelação Cível nº 2007.000596-0, julgamento em 05.03.2007.
José Cirilo de Vargas
18 de julho de 2010
No ano de 2003, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça[1] firmou entendimento, através da decisão prolatada no Recurso Especial 493.342/RS[2], no sentido de que a Defensoria Pública estadual, por ser entidade desprovida de personalidade jurídica, não pode recolher honorários sucumbenciais decorrentes de condenação contra a Fazenda Pública estadual, em causa patrocinada por Defensor Público. O ministro José Delgado, então relator do acórdão, consignou que:
“A Defensoria Pública é mero, não menos importantíssimo, órgão estadual, no entanto, sem personalidade jurídica e sem capacidade processual, denotando-se a impossibilidade jurídica de acolhimento do pedido da concessão da verba honorária advocatícia, por se visualizar a confusão entre credor e devedor.”
A suposta confusão entre o órgão público e os estados membros foi repetidamente invocada pelo Tribunal Superior (EREsp. 566.551/RS, EREsp. 480.598/RS, REsp. 852.459/RJ, REsp. 1.108.013/RJ) até que, em 11 de março de 2010, decidiu o Superior Tribunal de Justiça formalizar seu posicionamento através da publicação do enunciado 421, segundo o qual “Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.”
Formulamos neste ensaio argumentos jurídicos para demonstrar que a tese sustentada em 2003 pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça e recentemente transformada em enunciado de súmula por aquele tribunal, carece de respaldo legal e constitucional, ante o atual tratamento normativo conferido à Defensoria Pública.
Inicialmente, destacamos que a confusão, prevista nos artigos 1.049 do Código Civil de 1916 e 381 do Código atual, configura instituto de natureza civil pelo qual se reúnem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor. Cabe, portanto, indagar: seriam os Estados membros ou a União Federal (entes políticos) credores dos honorários sucumbenciais eventualmente recolhidos pela Defensoria Pública Estadual ou pela Defensoria Pública da União?
A Emenda Constitucional 45/04 concedeu à Defensoria Pública autonomia funcional, administrativa e financeira (iniciativa de elaboração de sua proposta orçamentária, prevendo a sua gestão financeira anual). Por via reflexa, a instituição deixou de ser um simples órgão auxiliar do governo, passando a ser órgão constitucional independente, sem qualquer subordinação ao Poder Executivo.[3] A Constituição Federal não deixa margem para indagações:
Artigo 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV).
(...)
Parágrafo 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no artigo 99, parágrafo 2º.
A Lei Complementar Federal nº 80/94, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, dispõe em seu artigo 4º, XXI, que
“são funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras, executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores.”
O dispositivo transcrito possui redação relativamente nova, promovida pela Lei Complementar Federal nº 132, de outubro de 2009. Os Estados membros têm o dever de adaptar a organização de suas Defensorias Públicas aos preceitos da Lei Complementar Federal nº 80, inclusive no que concerne à criação dos fundos de gestão das verbas sucumbenciais.
Extrai-se das normas transcritas que, implantados ou não os fundos destinatários da verba honorária recolhida pela Defensoria Pública, não há como argumentar que a Fazenda Pública (estadual ou federal) é credora dos valores arrecadados. Nesse sentido, sustentar hoje em dia a ocorrência de confusão, na trilha do velho entendimento encampado pelo Superior Tribunal Justiça, é, antes de tudo, negar validade ao texto legal.
A desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em decisão proferida no ano de 2008, sustentou que “A partir da vigência da Lei Complementar 65/2003 os honorários sucumbenciais relativos ao Defensor Público não são convertidos em renda para o Estado, razão pela qual são devidos pela fazenda Pública do Estado.”[4]
Na verdade é antiga a noção de que a verba honorária arrecadada pela Defensoria Pública não ingressa, em hipótese alguma, no patrimônio do ente político respectivo.
Vale lembrar que no Estado do Rio de Janeiro, o Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública – CEJUR/DPGE (criado pela Lei Estadual nº 1.146 de 1987), é custeado pelo Fundo Orçamentário Especial, cuja receita provém, dentre outras fontes, dos “honorários advocatícios que em qualquer processo judicial, pelo princípio da sucumbência, caibam à Defensoria Pública.” (art. 3º, I).
O verdadeiro sentido de ‘autonomia’ também deve ser invocado para rebater a vetusta tese pretoriana. Autonomia administrativa e financeira pressupõe capacidade de autodeterminação de uma instituição, conforme suas próprias leis, livre de qualquer fator externo com influência subjugante. Há bastante tempo Maria Sylvia Zanella Di Pietro já ensinava que “autonomia, de autós (próprio) e nómos (lei), significa o poder de editar as próprias leis, sem subordinação a outras normas que não as da própria Constituição; nesse sentido, só existe autonomia onde haja descentralização política.”[5]
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu recentemente decisão no sentido de que “A Defensoria Pública tem poderes para auto-organizar seus serviços, bem como capacidade para elaboração de orçamento próprio, com gestão e aplicação dos recursos que lhe são destinados.”[6]
Ora, parece claro que, se os tribunais reconhecem a autonomia da Defensoria Pública, mas, paralelamente, são obrigados (por força da súmula nº 421) a negar sua capacidade de gestão patrimonial, incorrem em grave contradição, redundando, conforme anteriormente sublinhado, em violação da norma jurídica que organiza a Instituição. Neste ponto, cabe ressaltar a colocação do Desembargador do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, Paulo Alfeu Puccinelli:
Tenho que a confusão alegada entre o Estado e a Defensoria Pública não ocorre, a uma, porque a Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, concedeu autonomia funcional à Defensoria Pública, ou seja, ela deixou de ser um órgão auxiliar do governo e se tornou um órgão constitucional independente, vale dizer, sem nenhuma subordinação ao Poder Executivo. Além do que, também recebeu autonomia administrativa e financeira. Assim, tenho que é perfeitamente possível o Estado de Mato Grosso do Sul ser condenado a pagar honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública, não ocorrendo a mencionada confusão prevista no artigo 381 do Código Civil.[7]
Tudo indica que existe no aludido precedente do Superior Tribunal de Justiça uma imprecisão terminológica, que foi ratificada pela súmula 421: órgão é entidade despersonalizada, não se discute. Todavia, se o órgão é autônomo (como, no caso, a Constituição afirma ser), pouco importa a ausência de personalidade jurídica. Impõe-se o reconhecimento de destinatários diversos de receitas: Estado membro (ou União Federal) e Defensoria Pública, estadual ou federal. Pensar o contrário é concordar com a absurda tese de que toda e qualquer verba honorária fixada em prol da Defensoria Pública pertence à Fazenda, estadual ou federal.
Em resumo: a súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça trata duas situações idênticas de forma distinta. Se o devedor sucumbente for pessoa diversa do Estado, o credor dos honorários será a Defensoria Pública. Caso contrário, se o devedor for o Estado, o credor não mais será a Defensoria, mas o próprio ente político. Curioso é que poucas pessoas questionam o absurdo desse raciocínio e a maioria simplesmente o toma como verdade.
À guisa de conclusão, verificamos que a antiga decisão do Superior Tribunal de Justiça, que serve como precedente para elaboração da súmula 421, foi proferida no ano de 2003, ou seja, antes da alteração constitucional promovida pela Emenda 45/2004, que consagrou a autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública. Precede também a elaboração da norma prevista no artigo 4º, XXI da Lei Complementar Federal 80/94, que alude aos fundos para aparelhamento da Instituição.
Logo, a conversão daquele vetusto entendimento em súmula, no ano de 2010, só pode ser qualificada como ilegal e inconstitucional. Isso porque ignora, de um lado, a existência dos fundos para aparelhamento da Defensoria Pública, expressamente referidos na Lei Complementar Federal nº 80/94 e, de outro, a autonomia administrativa e financeira assegurada pelo artigo 134, parágrafo 2º da Constituição Federal.
A súmula 421 revela também um privilégio injustificável (e circunstancial) para a Fazenda Pública, pois trata o Estado membro e União Federal como credores dos honorários recolhidos pela Defensoria Pública somente quando são sucumbentes em causa patrocinada por Defensor Público.
Reputamos fundamental perceber que a ausência de personalidade jurídica de uma entidade não elimina sua capacidade de gestão patrimonial autônoma, diversa daquela referente ao ente político. Como exemplo, citamos o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e da União, ambos órgãos classificados como independentes, a exemplo da Defensoria Pública.
[1] Interessante mencionar que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça é composta por ministros da Primeira Turma e da Segunda Turma e aprecia matérias de Direito Público, com ênfase para as questões administrativas e tributárias.
[2] STJ, Resp nº 493.342/RS, Primeira Seção, Ministro Relator José Delgado, julgamento em 10.12.2003.
[3] TJMS, Apelação Cível nº 2007.025343-7/0000-00, 3ª Turma Cível, Desembargador Relator Oswaldo Rodrigues de Melo, julgamento em 17.09.2007.
[4] TJMG, Apelação cível, nº1. 0024.06.148112-3/001, julgamento em 17.04.2008. Nesse sentido, decidiu, no ano de 2002, o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul: “Com o advento da Lei Complementar Estadual n.º 94, de 26 de dezembro de 2001, os honorários advocatícios, nas causas patrocinadas pela Defensoria Pública Estadual, serão fixados em prol do respectivo órgão e não mais em favor da Fazenda Pública Estadual.” (Embargos de Declaração em Apelação Cível n. 2001.010484-9⁄0001.00, Primeira Turma Cível, rel. Desembargador Hildebrando Coelho Neto, julgamento em 28.05.2002).
[5] DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 350.
[6] TJRS, Apelação Cível nº 70022299911, julgamento em 10.04.2008.
[7] TJMS, Apelação Cível nº 2007.000596-0, julgamento em 05.03.2007.
José Cirilo de Vargas
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