Por
Luiz Fernando Serra Moura Correia, Procurador da Fazenda Nacional
Ricardo Oliveira Pessoa de Souza, Procurador da Fazenda Nacional
Em 2009, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 5.080/09, propondo autorizar as Fazendas Públicas a promoverem procedimento executivo fiscal administrativo, cujo teor tem enfrentado severas críticas de alguns setores do meio jurídico, mesmo que tal proposta não seja uma “jabuticaba” no mundo (vez que o modelo é adotado em diversos países), assim como, desde o Decreto Lei 911/1969, já haja procedimento assemelhado assegurado aos credores fiduciários.
Todavia, entendemos que há proposta relevante a ser apresentada no tocante à integração entre a execução fiscal e a persecução penal fiscal. Até a Constituição de 1988, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) exercia funções consultivas e de representação extrajudicial financeira e tributária da União.
Com o artigo 131, parágrafo 3º, a “execução da dívida ativa de natureza tributária” foi expressamente atribuída à PGFN, de forma a encerrar com o trabalho de repassadora de subsídios para a atuação do Ministério Público Federal no contencioso fiscal.
Em janeiro de 1992, com a Lei 8.397/92 instituindo a medida cautelar fiscal, foi concedido poder de requerer a indisponibilidade dos bens dos devedores da Fazenda Pública, em alguns casos, antes mesmo da “prévia constituição do crédito tributário”.
A Lei 11.457/07, por sua vez, unificou as fiscalizações tributárias e previdenciárias, assim como passou para a PGFN “a representação judicial na cobrança de créditos de qualquer natureza inscritos em Dívida Ativa da União” (artigo 23).
Todavia, quanto aos delitos fiscais, o dever legal de promover as ações penais continua com o MPF, de sorte a que temos o contencioso administrativo e judicial correndo entre a hoje Receita Federal do Brasil e a PGFN, ao passo que o contencioso criminal das mesmas atividades encontra-se sob a responsabilidade do parquet federal. Os principais delitos que se encontram sob tal dualidade são os seguintes:
a) Artigo 306 do CP quanto à falsificação em prejuízo da fiscalização alfandegária;
b) Artigo 318 do CP (facilitação de contrabando ou descaminho);
c) Artigo 334 do CP (contrabando ou descaminho);
d) Artigo 337-A do CP (sonegação de contribuição previdenciária);
e) Artigos 359-B, C, D, E, F, G e H (dos crimes contra as finanças públicas);
f) Crimes contra a ordem tributária e econômica previstos na Lei 8.137/90;
g) “Lavagem de dinheiro” – Lei nº 9.613/98.
Atualmente, há excessiva despesa de energia, tempo e recursos públicos com o trabalho desenvolvido pela administração tributária na formação de autos administrativos de cobrança e a representação fiscal para fins penais enviada ao MPF para que este analise e, se entender cabível, requisite a abertura de inquérito penal ou ofereça denúncia contra o sonegador em tese.
Além disso, os membros da PGFN, por estarem vinculados ao Ministério da Fazenda, possuem acesso a informações fiscais e sistemas informatizados cujo sigilo é constitucionalmente oposto ao Ministério Público Federal, salvo ordem judicial que o afaste, circunstância que facilita o manuseio de elementos documentais de molde a tornar mais célere e intacta a formação de um conjunto probatório.
Ressalta-se também frustrantes os resultados concretos da responsabilização penal tributária, particularmente em face de pacífica jurisprudência, consolidada na ementa da Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal, entendendo inadmissível a persecução enquanto não constituído definitivamente o respectivo crédito, com a consequente troca periódica de ofícios entre o MPF e a Receita Federal.
Ora, com a criação da denominada Super-Receita pela supra-referida Lei 11.457/07, encontra-se a PGFN cada vez mais integrada à fiscalização tributária e previdenciária, na medida em que ambos utilizam-se dos mesmos sistemas providos pela Empresa Pública Federal – Serpro, dividem, geralmente, as mesmas instalações e, atualmente, compartilham até mesmo o atendimento ao público, seja em “call center” (disque 146), ou no regime de portal virtual.
Nos últimos anos, com a crescente importância que se tem dado aos Programas de Grandes Devedores e de Acompanhamento Especial, cujas atividades resultam no incremento de arrecadação e na maior rapidez para detecção de causas que podem gerar efeito multiplicador com amplos efeitos lesivos para a sociedade e o erário (não raro acompanhadas na prevenção/repressão de planejamentos tributários elisivos ou evasivos), tiveram por efeito expandir o tráfego de informações entre a Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional e a gerar expertise necessária que parece aconselhar uma atuação da PGFN na esfera criminal.
Portanto, é naturalmente mais racional, sob o ponto de vista tanto administrativo como econômico, legitimar a PGFN à propositura da ação penal fiscal no âmbito dos delitos praticados em desfavor da União.
Registre-se, ainda, que, no caso dos crimes contra o sistema financeiro, nos termos do artigo 26, parágrafo único, da Lei 7.492/86, admite-se, expressamente, a assistência processual da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central do Brasil, conforme o delito.
Por óbvio que para a assunção de tal atividade, deverá a PGFN ser devidamente estruturada, recebendo técnicos e analistas tributários em número suficiente para seu auxílio, destacando-se, infelizmente, a realidade de seu desaparelhamento administrativo para atender com qualidade até mesmo as suas atribuições atuais, embora recursos na subconta do Fundaf para isso disponha, com a arrecadação do encargo legal incidente na Dívida Ativa da União, conforme assegurado pelo artigo 5º, VIII, IX e X, do Decreto 98.135/89.
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